Crítica
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Sinopse
Crítica
No diálogo que abre – e também encerra – o documentário Depois do Fim, exibido sobre uma tela escura, sem imagens, o diretor estreante em longas Alvaro de Carvalho Neto afirma ao ex-condutor de trens Evaristo de Moraes ter cada vez mais certeza de que ele é o protagonista ideal para seu filme. A constatação surge não só pelo fato de Evaristo ter vivenciado o período áureo das ferrovias brasileiras, tema central do projeto, mas também pela percepção de que a existência deste homem nonagenário, ciente de estar adentrando seus últimos momentos de vida, configurava a representação precisa da própria história ferroviária do país. Apostando, assim, em um relato que trafega entre as vias pessoal, histórica e metafórica, no qual a decadência física do maquinista se confunde com as imagens das ruínas das estações, trens e vias férreas captadas pelo diretor de fotografia Pedro Rocha, o cineasta visa estabelecer uma narrativa melancólica e evocativa.
Narrativa essa composta dos fragmentos da memória do protagonista, revisitados pelo próprio através dos espaços físicos – com Carvalho Neto filmando o personagem dentro dos vagões, caminhando pelos trilhos, pelas estações etc. Esse resgate memorial possui forte elemento regional, pois o realizador, assim como Evaristo, é originário de Santa Maria, cidade gaúcha que se desenvolveu através da difusão do meio de transporte mais importante do início do século XX, o que claramente os aproxima de modo particular. O apreço genuíno de Carvalho Neto pelo tema também é evidenciado por essa proximidade, e se materializa no esmerado registro visual, que explora a característica naturalmente panorâmica das ferrovias para a composição de belos planos que potencializam a horizontalidade dos ambientes, captando ainda a qualidade quase fantasmagórica das estruturas e maquinários abandonados que carregam as marcas da passagem do tempo.
Essa questão do esquecimento, do abandono, possibilita que se trace mais um paralelo com a vida de Evaristo, que revela, em uma tocante passagem, certa mágoa direcionada aos filhos que não mais o visitam, afirmando que poderia estar vivendo em belo apartamento, mas que acabou por morar em um pequeno quarto no hotel próximo à estação “Para não esquecer quem eu fui, porque de mim já esqueceram”. Há, inegavelmente, uma notória força nesse lamento sincero, contudo fragmentos com essa mesma carga emotiva e íntima surgem apenas esporadicamente na narrativa. Por mais que todas as alegorias apresentadas sejam bastante pertinentes, o longa não consegue imprimir uma densidade maior a elas, ficando apenas num nível superficial, muitas vezes trivial, que também se estende ao viés histórico do relato – fatos, conjecturas e visões políticas são abordadas sem maior aprofundamento.
Carvalho Neto busca mesmo sustentar sua proposta na relação entre as imagens do abandono dos espaços físicos e seus simbolismos. Porém, mesmo que sempre esteticamente atraentes, tais imagens perdem parte de sua potência devido à repetição demasiada. Com isso, ao invés de adicionar novas camadas de significados, o diretor acaba obtendo, ao menos em parte do tempo, o efeito contrário, diluindo a força daqueles significados já estabelecidos – a finitude da vida, o esfacelamento da memória etc. Somada a essa reincidência de signos, há ainda a sensação de uma encenação excessivamente calculada, incluindo um flerte com a metalinguagem, que busca ser justificado pela revelação apresentada no desfecho, mas que, de modo geral, soa desconectado – nos trechos em que o cineasta aparece direcionando o protagonista – e que contrasta com a naturalidade que se anunciava no tom espontâneo do já mencionado diálogo de abertura.
Embora essas inconstâncias minimizem o potencial de Depois do Fim, existem momentos de encantamento suficientes nessa espécie de réquiem para um homem comum, que busca constantemente a poesia – algo que os versos saudosistas sobre a “Rainha Maria Fumaça”, declamados próximos à conclusão, só reforçam – para garantir o interesse do espectador.
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