Sinopse
Crítica
O novo filme do cineasta Hsu Chien toca num assunto delicado: a compulsão por compras. Sua protagonista é Rita (Glória Pires), uma disputada organizadora pessoal que nas horas vagas supervisiona as reuniões de um grupo formado por pessoas em tratamento que, assim como ela, sentem dificuldades imensas para se controlar diante dos cada vez mais sedutores discursos dos lojistas. É um tema delicado, mas aqui encarado como pano de fundo para abordar a tal síndrome do ninho vazio, pois a filha de Rita, Duda (Maísa Silva), está prestes a embarcar rumo aos Estados Unidos a fim de aproveitar uma bolsa de estudos em Chicago. Ou seria o contrário, com o dilema familiar servindo de fachada para aprofundar os gatilhos que levam os consumistas à ruína? Nem uma coisa, nem outra. Na verdade, Desapega! é um amontoado de tópicos mal costurados rumando ao encerramento positivo e que ainda entrega uma das mais desajeitadas inserções publicitárias do cinema brasileiro recente. Mas, calma, porque nós chegaremos nisso. Vamos começar pela quantidade enorme de coisas a serem apresentadas, desenvolvidas superficialmente e descartadas em nome da correria que almeja ser dinamismo. Desde o começo prevalece a artificialidade nos contatos humanos. Atores e atrizes (entre tarimbados e novatos) artificialmente dão os seus textos, obedecem às marcações e são bem pouco naturais.
A tal “química” entre Glória Pires e Maísa Silva (provavelmente o grande atrativo dessa “comédia”) simplesmente inexiste. E não por falta de empenho ou talento de ambas, longe disso, mas sobretudo em função dessa pressa toda para interligar camadas que convergem forçosamente para o tal encerramento feliz. Nele, todos os problemas, por mais complexos que sejam, são vencidos pela força de vontade. É como diria a Xuxa, a Rainha dos Baixinhos: “tudo pode ser, basta acreditar”. E nós sabemos que na vida real não basta acreditar para que medos, empecilhos e obstáculos severos simplesmente sumam das nossas vidas. Isso seria como conseguir eliminar a tristeza de alguém dizendo “fulano não fique triste”. Porém, aqui nos cabe aprofundar o exercício de análise, pois nem toda a proposta estético-narrativa prevê um diálogo estrito com a realidade e menos uma subordinação às engrenagens de seu funcionamento. Desapega! é um daqueles feel good movies (filmes para se sentir bem), diante dos quais não convém estar tão preso nos acentos dramáticos. Mas, então, porque cargas d’água o diretor Hsu Chien insiste em utilizar assuntos espinhosos na tentativa de gerar graciosidade? Ao reiterar a natureza rasa das reuniões dos compulsivos, ele esvazia a importância do discurso a respeito daquilo. Embolar todas as subtramas faz com que nenhuma delas seja realmente tão relevante.
Desapega! aborda compulsão por compras, na cena seguinte tenta nos engajar na problemática familiar de Rita e Duda, logo depois insere as particularidades dos casos de cada um dos homens e mulheres em tratamento, parte para uma completamente aleatória discussão sobre a obsolescência no trabalho, dá meia volta para colocar uma pitadinha oriunda da insegurança do namorado que esperará a amada por três anos e assim sucessivamente. E se desses há algum núcleo completamente deslocado é o do escritório onde trabalha Otávio (Marcos Pasquim). Nele, Hsu Chien insiste numa piada que sequer dá certo em sua primeira vez: a do chefe dado a estrangeirismos que aparece como arauto da modernidade perigosa. Digão Ribeiro parece pouco confortável no papel desse homem dono de um discurso propositalmente ridículo e que, ao menos, poderia servir como gatilho para a compulsão de um de seus subordinados. Aliás, está aí outro grande problema do longa-metragem: a falta de consistência/densidade na construção do que motiva as crises. O ator fala que não ser aplaudido serve como ignição para a sua corrida às compras, percebemos que as perdas também afetam Rita, mas os demais personagens que sofrem dessa condição naturalmente angustiante são tratados como tipos, valendo para dar alguma diversidade ao panorama. Eles são apenas o clássico grupo de apoio.
Além da displicência com a qual trata e costura os seus múltiplos assuntos, Desapega! ainda tem um vício de mise-en-scène que remonta à televisão. Hsu Chien parece ser contrário aos planos abertos, basicamente compondo as imagens com planos fechados. Talvez para atender a uma demanda da atualidade, o diretor dificilmente enquadra juntos os personagens durante os diálogos, apostando num cansativo pingue pongue visual que consiste, basicamente, de cortar do plano fechado para um contraplano igual. Resquícios da linguagem televisiva de antigamente, quando programas eram exibidos em aparelhos pequenos de dimensão quadrada. Outro ponto que reforça o esquematismo do trabalho diretivo é a utilização burocrática de paisagens cariocas como elementos de transição. Sempre há o vislumbre de uma bela vista entre os segmentos que se esgotam rapidamente sem deixar saudades ou engrossar um caldo com gostos variados, mas que não combinam. Finalmente chegando à “uma das mais desajeitadas inserções publicitárias do cinema brasileiro recente”, o filme fala de compulsivos por compras que precisam “desapegar”, palavra utilizada (e aqui grosseiramente enfatizada) como mantra propagandístico de um de seus patrocinadores. No fim das contas, os amigos de Rita até podem ter dado um passo importante ao “desapegar”, mas seus compradores são impunemente vistos com a mesma sanha consumista. E o que o filme faz com isso? Um par de inserções publicitárias.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 3 |
Robledo Milani | 5 |
Alysson Oliveira | 3 |
Miguel Barbieri | 4 |
MÉDIA | 3.8 |
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