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Sinopse

Em Desconhecidos, o espectador é apresentado a um predador implacável no encalço de uma mulher ferida em uma estrada abandonada. Ela faz o possível para enganá-lo. Mas será tudo assim tão simples? Em um jogo cujos acontecimentos são revelados fora de ordem, nem sempre a primeira impressão é a mais honesta. Com Barbara Hershey.

Crítica

O cinema de terror, assim como aquele voltado às comédias românticas, é um dos mais maltratados pelos produtores e realizadores. Muitos pensam que basta seguir a mesma cartilha de sempre, já gasta de tanto uso equivocado ao longo do tempo, que o efeito uma vez alcançado por outros irá se repetir – uma percepção tão distorcida, quanto traiçoeira. No entanto, vez que outra surge um nome como o de Ti West (responsável pela trilogia X: A Marca da Morte, 2022; Pearl, 2022; e MaXXXine, 2024) ou um James Wan, que parecem injetar um novo gás ao gênero. Infelizmente, não é o caso de JT Mollner, diretor e roteirista desse Desconhecidos. Durante os quase 100 minutos de projeção, o cineasta parece tomar cada decisão narrativa num desespero de chamar a atenção para si mesmo. Afinal, tirando todas as distrações, sobra pouco digno de nota.

Para começo de conversa, os créditos de abertura já se embaralham com uma câmera lenta e uma trilha sonora trágica não apenas uma, mas em duas vezes seguidas! Logo depois, vem o anúncio: a história será dividida em seis capítulos. Qualquer espectador mais atento sabe que esse tipo de aviso joga mais contra, do que a favor: afinal, automaticamente a audiência se pegará contando “quantos já passaram, quantos ainda faltam”. E tem-se aqui um filme, não um livro! Porém, o maior problema não está no dito, mas naquilo que permanece escondido, revelado apenas na última hora: haverá ainda um epílogo – ou seja, a trama não se encerra em meia dúzia de movimentos, pois haverá mais um para propor um término minimamente razoável. Mas este é um reflexo, afinal, faz parte da estratégia do realizador essa proposta de mentiras e dissimulações. Como se o espectador fosse tolo o suficiente para não entender de imediato o jogo proposto.

Primeiro, há a apresentação dos personagens, sendo que um deles é identificado como “O Demônio” (Kyle Gallner, que recentemente sofreu também no muito mais inspirado Sorria, 2022). Depois, tal qual um exercício do tipo “quero ser David Lynch (ou talvez até mesmo um Christopher Nolan)”, Mollner passa a discorrer sobre os seus episódios de forma desordenada, como se o embaralho dos eventos fosse capaz de torná-los mais atraentes. Começando pela Parte 3, ele apresenta uma garota (Willa Fitzgerald, de Batismo de Sangue, 2022, aqui introduzida como “A Dama”) em fuga desesperada do tal ‘demônio’, que a persegue em uma estrada deserta. Aparentemente, não há espaço para dúvidas: ele é o assassino, e ela a vítima. Mas será assim tão simples?

Qualquer um mais desatento, que não se fizer as perguntas certas, não apenas custará a entender o que está acontecendo, como deverá se deparar com algumas surpresas pelo caminho até conseguir organizar mentalmente o que fato se sucede na história. Porém, mesmo entre esses, uma vez superado tal obstáculo, o que sobra é uma linha narrativa bastante óbvia e direta. O enunciado inicial de que o enredo se debruçaria sobre “um dos mais terríveis serial killers já vistos nos Estados Unidos” é mais um chamariz sensacionalista, pois em nenhum momento se percebe essa grandiosidade. O que se tem, por outro lado, é quase uma comédia de erros – algo que deveria ter ficado restrito a um quarto de motel, mas que pela incompetência de quem está no comando em executar seu plano se vê obrigado a partir para um improviso atrás do outro, deixando atrás de si um banho de sangue não muito diferente do que se tem visto em trajetórias como a aqui descrita.

Entre desperdícios como as participações dos veteranos Ed Begley Jr. (Better Call Saul, 2016-2022) e Barbara Hershey, ambos sem uma única linha de diálogo que justifique suas presenças, ou uma pretensa crítica ao movimento feminista (o embate entre os policiais, com o cansado oficial das antigas sendo obrigado a ignorar seu instinto para dar ouvido aos protestos da jovem colega, apenas para logo em seguida ambos se darem mal), Desconhecidos ainda peca pelo absurdamente descartável e equivocado batismo nacional, que tira do todo o pouco de personalidade que o original Strange Darling ainda se esforçava em manter. Esquecível e problemático em muitas das decisões que assume, eis um título que não consegue se defender uma vez desprovido do tanto de adereços e pegadinhas que reúne numa tentativa falha de chamar atenção e despertar curiosidade, algo que até consegue por um instante ou dois, empenho esse, no entanto, que logo se vê esvaziado pela total falta de consistência do conjunto.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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