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Sinopse
Eduardo tem dupla personalidade. Uma hora, é o tímido paulistano. Noutra, um carioca fanfarrão e folgado. Ele se envolve numa grande confusão amorosa, pois cada Eduardo está apaixonado por uma mulher diferente.
Crítica
As diferenças entre Rio de Janeiro e São Paulo são, talvez, um dos mais antigos e eficazes exemplos da polarização que nos últimos tempos tem atingido níveis alarmantes em qualquer tipo de discussão nacional. Essa abordagem, no entanto, é encarada como fonte para a comédia que tenta se sobressair a partir do drama vivido pelo protagonista de Desculpe o Transtorno, quarto longa-metragem do diretor Tomas Portella. Dividido entre duas personalidades distintas, o personagem de Gregório Duvivier investe nos clichês mais recorrentes ao assunto, criando uma composição que, apesar de previsível, tem o mérito de conseguir cativar a atenção do espectador. O que já é um grande feito diante de um cenário pouco estimulante.
Assistente de direção de produções internacionais como O Incrível Hulk (2008) e Ensaio sobre a Cegueira (2008), Portella tem se aventurado em diferentes gêneros em sua carreira como realizador. Pois após um suspense (Isolados, 2014) e um thriller policial (Operações Especiais, 2015), ele volta com Desculpe o Transtorno ao ambiente da comédia romântica que marcou sua estreia em Qualquer Gato Vira-Lata (2011). Porém, se essa experiência prévia devia ter lhe contado a favor, é basicamente o contrário que se verifica: este, provavelmente, é seu trabalho mais sem personalidade. Sem uma marca pessoal, como confusões amorosas, clima claustrofóbico ou cenas de muita ação, o resultado termina por se apoiar quase que exclusivamente nos ombros de Duvivier e dessa nova geração de humoristas de stand up – não por acaso, um dos coadjuvantes, interpretado por Daniel Duncan, passa o tempo todo encenando piadas de palco, sem permitir que a ficção vá muito longe da realidade.
Duvivier é um ótimo roteirista e escritor – como seus vídeos na internet e colunas de jornal deixam claro – mas como ator possui qualidades evidentemente restritas. É fácil para ele, portanto, criar Eduardo, um paulista de vida regrada e monótona, que todos os dias segue a mesma rotina em horários exatos. Curiosamente, ele trabalha na firma do pai, uma empresa de patentes que visa a inovação e a criatividade – tudo que lhe falta, pelo jeito. Ao receber a notícia de que a mãe, a quem não vê há anos, faleceu, é obrigado a ir ao Rio de Janeiro para decidir o que fazer com as coisas maternas. Uma vez lá, no entanto, ao ser colocado em uma situação de dúvida, tem sua identidade dividida, dando origem ao Duca, um cara muito mais leve e despreocupado – e aumentado o desafio do ator. Entre idas e vindas a São Paulo e ao Rio de Janeiro, Eduardo e Duca vão se alternando, mudando objetivos de vida, visões de mundo e até interesses amorosos – enquanto o primeiro é comandado pela noiva (Dani Calabresa, hilária) de anos, o segundo se encanta por uma jovem que trabalha vestida de coelho de pelúcia (Clarice Falcão).
Portella demonstra desde o começo consciência das limitações de seu elenco, e pouco exige deles, explorando o que cada um tem de melhor a oferecer. É por isso que Dani Calabresa, com seus diálogos rápidos e perfeito entendimento do tipo que está defendendo, consegue roubar o filme para si sem muito esforço. Mas a história não é dela, e sim de Duvivier, que revela fragilidade em ambas concepções. Os mais desligados pouco perceberão de diferente entre Eduardo e Duca além daquilo que os cercam – amigos, ambientes e atividades. Já Falcão é uma atriz obviamente monocórdia, sempre no mesmo tom, e se no começo sua presença se ajusta ao esperado, logo fica difícil entender o por quê do encanto que ela parece exercer nos demais. Marcos Caruso e Zezé Polessa são as presenças de respeito, e as participações de Rafael Infante, Luis Lobianco, Marcos Veras e Júlia Rabello servem apenas para mostrar a verdadeira origem do projeto: o grupo Porta dos Fundos, que aqui tem um dos seus vídeos semanais de forma estendida, ainda que de modo mais eficiente do que o próprio longa deles (Contrato Vitalício, 2016).
Desculpe o Transtorno está longe de ser um filme ruim, mas por outro lado também não chega perto de ser memorável. É entretenimento simples, rápido e sem maiores consequências. A fórmula, genérica a ponto de ter gerado inúmeros similares antes, já funcionou por aqui (basta lembrarmos de Se Eu Fosse Você, 2006, que também investia em um conceito desgastado, porém com realização competente o suficiente para justificar o sucesso de público). Mas se as atuações são convencionais e a direção faz apenas o esperado, está nos personagens o verdadeiro charme da história. Afinal, independente da rigidez paulista ou da moleza carioca, o que se tem é um homem dividido entre responsabilidades e aspirações. E ainda que esta lição esteja um tanto escondida por detrás de artifícios descartáveis, ela é forte o bastante para se mostrar válida ao término da sessão, compensando os tantos deslizes que vislumbramos nesse caminho.
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