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Sinopse

Na casa dos 50 anos, Armando paga jovens apenas pelo prazer de suas companhias. Um dia ele conhece Elder, um garoto de 17 anos, líder de uma gangue criminosa, e esse encontro muda as vidas de ambos para sempre.  

Crítica

É um exercício curioso tentar entender os impulsos que movem os protagonistas do venezuelano De Longe Te Observo, primeiro longa do país – e, inclusive, de toda a América Latina – a ser premiado com o Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza. De um lado temos Armando (Alfredo Castro, de O Clube, 2015), um solteirão já cinquentenário que se sente atraído por rapazes mais jovens, porém desde que preservada sua posição de voyeur. Do outro está Elder (o novato Luis Silva), um garoto de rua que leva a vida em pequenos golpes e outras artimanhas. Seguem caminhos separados, porém, pela natureza de suas atividades e gostos, estão predestinados a se encontrarem. E uma vez defronte um do outro, suas histórias nunca mais serão as mesmas.

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Por mais que se deseje uma conto de fadas no estilo “...e foram felizes para sempre”, certamente não é isso que o diretor e roteirista Lorenzo Vigas tem para entregar. Armando é experiente, vivido, passa seus dias envolvido com as próteses ortodônticas que produz em sua pequena oficina, um trabalho mecânico e minucioso. O tipo de atividade de um homem que passaria anos esperando pela oportunidade certa. Mas de que? De se vingar? De buscar pelo que acredita ter direito? Ou de exigir tudo aquilo que lhe foi negado por tanto tempo? Talvez ele peça pouco, mas mesmo assim esse quase nada pode ser demasiado para quem nada tem a oferecer. E não nos referimos apenas a Elder. Há um outro homem na vida de Armando. E a ausência deste talvez não possa ser suprida pela presença do mais novo, por mais que seja essa a intenção.

Elder, por sua vez, nada tem para perder, e muito menos a ganhar. Está de braços abertos, pronto para o que tiver que acontecer. Quando Armando o convida para ir a sua casa, aceita quase sem ter certeza do que terá que fazer. Repudia o ‘velho maricas’, como o xinga, e busca apenas o dinheiro fácil, independente deste preço terminar lhe sendo alto demais. Mas se é caro no gesto, custará ainda mais no sentimento. Pois estará abrindo uma porta que nem mais imaginava existir, quanto mais passível de acesso. Um medo e um rancor difícil de ser trancado, e que, uma vez solto, irá lhe devorar a alma. A proximidade não é por ele desejada, uma vez que tudo que lhe foi ensinado desde sempre foi se virar sozinho e sem nenhum tipo de apoio, ajuda, carinho ou afeto. E se essa ilusão é posta abaixo, recompô-la talvez seja mais complicado do que abraçar uma nova realidade. Independente do que qualquer um diga, ou possa fazer.

Armando e Elder se juntam e se afastam com a mesma facilidade. Desconhecem o quanto precisam um do outro. Os dois são filhos em busca de um pai, ou pais sem condições de lidar com o filho que surge de forma inesperada. O velho vê no garoto o rapaz que ele não foi, que quer ter, que lhe é impossível e, ao mesmo tempo, tão próximo. O jovem enxerga apenas o que até então negava, e que agora descoberto percebe poder abraçar sem ressalvas, pois oferece de retorno muito mais do que havia ganho até então. São homens crus e áridos, despreparados para o amor e para o envolvimento. Se apoiam um no outro, mas também se enganam imaginando que a frágil relação que surge entre eles possa ser para sempre. Não será. E caberá ao mais fraco pôr fim a ela. Não importando a dor que isso provocará, nem o quanto tomará como pagamento.

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Lorenzo Vigas parte de um conto de Guillermo Arriaga (roteirista indicado ao Oscar por Babel, 2006) para construir seu trabalho de estreia como realizador. O olhar por vezes duro, mas nunca frio, do escritor mexicano cabe ao talento do cineasta que colocou a Venezuela na rota das cinematografias a serem percebidas. De Longe Te Observo é um trabalho cuidadoso, do qual o espectador se vê envolvido até mesmo sem se dar conta, antes mesmo de qualquer outro tipo de reação. O sofrimento dos personagens ganha reflexo na história de cada um na audiência, e se o sexo, tão universal e acessível, parece servir como motivador, logo perde sentido diante de vontades e reflexões muito mais urgentes e profundas. E no final, aquilo que se revela dolorido é, também, inevitavelmente óbvio. Pois mesmo que a união pareça indissolúvel, somente sozinhos aprenderemos a lidar com nossos próprios fantasmas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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