Crítica
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Sinopse
Ronit precisa voltar para sua cidade natal após a morte do pai – um rabino – de quem há anos estava afastada. Entretanto, ela causa confusão no pacato local ao recordar uma paixão proibida pela melhor amiga de infância, que atualmente é casada com seu primo.
Crítica
Na cena de abertura de Desobediência, longa de estreia do chileno Sebastian Lelio na língua inglesa, o rabino Rav Krushka (Anton Lesser, indicado ao Bafta pela série Wolf Hall, 2015) faz seu sermão a respeito das três criações divinas: os anjos, que só fazem o bem e atendem aos chamados Dele; os animais, que seguem apenas seus instintos; e os homens, que por possuírem o livre arbítrio, podem fazer tanto o bem quanto o mal, o básico ou o inesperado. Ou seja, estão entre os dois mundos. E isso é tanto uma glória quanto uma maldição. Algo sentido na pele pelos protagonistas desse drama que, assim como os longas anteriores do diretor – principalmente os premiados Gloria (2013) e Uma Mulher Fantástica (2017), este vencedor do Oscar – investiga com bastante sensibilidade as possibilidades de amor nascidas de relações não convencionais, mas tornadas naturais a partir de uma melhor compreensão do termo. Afinal, cabe ao ser humano ser quem ele é de fato. A escolha, no caso, está mais em como lidar com essa realidade.
Ronit (Rachel Weisz) deixou a casa do pai, em Londres, há muitos anos, e leva uma vida completamente independente em Nova York. Porém, quando ele morre – logo após o discurso apontado acima – ela é chamada com a triste notícia. Ainda que estivessem há anos sem se verem nem se falarem, é difícil lidar com o inesperado. “O que mais me dói é não ter recebido o perdão dele”, diz num momento, para logo em seguida completar: “e também nunca tê-lo fotografado”. A culpa está aliada ao que ela é, sua ambição profissional e modo de ser. E foi justamente para não ter que abrir mão de nenhuma dessas partes que a compõem que decidiu partir. Não sabemos por quê, nem em que condições. Mas é certa que sua presença, tão resoluta, causa desconforto aos demais. Menos, talvez, em Dovid (Alessandro Nivola), pupilo de seu pai, que por ele era tratado como filho, e Esti (Rachel McAdams), sua esposa. Não por acaso, seus dois melhores amigos de infância, os que também mais sentiram sua ausência – e também seu retorno.
Olhando sob esse prisma, que é no qual a trama se apoia inicialmente, essa parece ser a história dessa filha desgarrada e sua volta ao lar, ainda que tardia. Porém, assim que começamos a nos aprofundar nos laços que envolvem estes três personagens, outras facetas se tornam perceptíveis. Ronit foi porque tinha que ir, e se a falta que sente do pai é factível, também é fato que nunca se arrependeu desta decisão – fez o que devia ser feito. Dovid, no entanto, é o rapaz que sempre agiu da maneira correta, de acordo com o que esperavam dele, acreditando ser esse o caminho da certidão. Isso o levou a um casamento pálido, não desprovido de amor, mas de paixão. E é neste ponto em que repousamos nosso olhar em Esti, a verdadeira protagonista. Afinal, ela é a que ficou, a que precisou abafar seus desejos e vontades, lutando diariamente para se encaixar em uma realidade a qual não pertencia. Reencontrar Ronit é como abrir uma caixa de Pandora. Uma vez destampada, não há mais volta.
No melhor desempenho de sua carreira, McAdams – que primeiro chamou atenção como a patricinha implicante de Meninas Malvadas (2004) e se consagrou estrelando romances açucarados, como Diário de uma Paixão (2004) e Para Sempre (2012), até ser, enfim, indicada ao Oscar por um trabalho não mais do que correto em Spotlight: Segredos Revelados (2015) – mostra, enfim, ter se tornado uma intérprete de substância e consistência, transmitindo nos pequenos gestos o mundo de angústias e contradições com os quais Esti precisa lidar, inserida em uma rígida comunidade religiosa, ao mesmo tempo em que lida com sua própria sexualidade. Weisz, por sua vez, premiada com a estatueta dourada da Academia por O Jardineiro Fiel (2005), desde então tem feito escolhas cada vez melhores – como atestam A Informante (2010), Amor Profundo (2011), O Lagosta (2015) e Negação (2016), entre outras performances de destaque – porém segue invisível aos olhares menos atentos. A segurança que confere à Ronit tem tudo para mudar essa condição.
Mais do que uma história de amor entre duas mulheres, Desobediência é um conto de silêncios ensurdecedores e atitudes dúbias, que tanto podem trazer conforto quanto condenação. “Por que ela é tão má, já que tem uma vida tão boa?”, uma delas pergunta. A resposta não precisa ser dita, ainda que esteja estampada na frente de todos: pelo simples fato de nunca ter tido coragem de assumir as escolhas que tinha pela frente – ao contrário daquelas que, agora, estão no centro da questão. Não é um grito de sexo, atração ou romance que irrompe desta narrativa: é um simples pedido de liberdade. De poder de escolha. Ir ou ficar, em última análise, talvez nem faça tanta diferença – o que importa, sim, é poder ir ou poder ficar. É respeitar as decisões de cada um. Pois será somente neste momento em que a obediência finalmente encontrará seu verdadeiro propósito.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 8 |
Francisco Carbone | 9 |
Wallace Andrioli | 7 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
Yuri Correa | 10 |
Marcelo Müller | 9 |
MÉDIA | 8.3 |
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