Sinopse
Um homem e uma mulher lutam contra a apatia do mundo. No entanto, eles próprios estão apáticos, convenientemente cumprindo os papeis sociais aos quais foram designados ao longo de suas vidas.
Crítica
O signo principal de Desterro é o desconforto. O primeiro longa-metragem ficcional da cineasta Maria Clara Escobar tem uma forma peculiar de representar o incômodo existencial que atravessa personagens com efeitos paralisantes. Há algo de teatral na movimentação dessas figuras humanas que parecem privadas de emoções, parecidas com autômatos que apenas cumprem papeis nos quais se encaixam ora por obrigação, ora por conveniência. E essa opção narrativa gera, ela própria, um desconforto. E ele tanto pode ser assimilado pelo espectador aderente à proposta quanto distanciar uma parcela menos cativada do público. De qualquer modo, a experiência é mantida entre as constatações tristes e a poesia impregnada de impasses não verbalizados. Seus protagonistas são Israel (Otto Jr.) e Laura (Carla Kinzo). Pais de um menino, os dois cumprem burocraticamente obrigações cotidianas. São vistos conversando sem interesse mútuo na cozinha enquanto bebem automaticamente seu desjejum, aparentemente privados de qualquer coisa que os inflame. Problemas, amenidades, dúvidas, incertezas, tudo é compartilhado sem um pingo de intensidade e real interesse. Pode-se dizer que Maria Clara reveste seus personagens com uma grossa membrana de apatia, dentro da qual todos são amortecidos sem escapatória. A câmera fixa e as trocas repentinas de perspectiva acentuam essa realidade.
O mundo de Desterro não é realista, ao menos não no sentido estrito dessa expressão. Os personagens transitam por núcleos e cenários compartilhando um torpor que destitui a humanidade de gestos e manifestações quentes. A breve cena na casa dos pais de Laura serve para enfatizar as pressões sociais que provavelmente são causadoras do congelamento dos afetos nas convivências. O pai fala das filhas enquanto a mãe reivindica que as mesmas cumpram determinados protocolos (como se casar oficialmente, por exemplo). Não há um mergulho psicológico/emocional nas pessoas em questão, uma vez que elas são fragmentos de um painel existencialmente desbotado e raso. Maria Clara Escobar não fornece subsídios para compreendermos a natureza do desalento matrimonial de Laura e Israel, tampouco oferece acesso a uma dinâmica familiar prévia que, talvez, pudesse socorrer o nosso entendimento. A realizadora não está em busca de esclarecimentos. Não há espaços para explicações, teses e demais jeitos de chegar a um acordo racional (e até mesmo sentimental) sobre os efeitos dessas relações humanas obstruídas por certa abrasividade constante. O resultado é um prisma interessante, que às vezes chega a ser instigante como provocação, mas que se torna também rapidamente cansativo por conta de uma sucessão de procedimentos e atitudes cênicas muito repetitiva.
A morte de alguém funciona como um desfibrilador, pois "ameaça" tirar Desterro da areia movediça na qual voluntariamente o filme é jogado a fim de representar a entediante e tediosa necessidade de atender às expectativas. Se antes essa pessoa (como todas as outras, aliás) era uma ausência de corpo presente, depois ela se torna literalmente uma ausência física, porém mais intensamente presente. Maria Clara Escobar poderia explorar muito melhor esse poderoso paradoxo a fim de ponderar exatamente sobre a efetividade de presenças e ausências, em meio a isso colidindo literalidades e alegorias. No entanto, ela prefere apostar num trânsito entorpecido de homens e mulheres pela tela, sem instigá-lo com algo que retire a narrativa de um mesmo lugar pantanoso. A reiteração começa a não fazer mais efeito como antes. Israel omite a tragédia, se depara com um sistema repleto de regras, números e coisas a serem feitas para reaver o cadáver de quem conheceu como esposa até há pouco tempo. As interações com o sogro e o menino ignorante da própria orfandade, bem como a caminhada pela cidade que desconhece a sua dor lancinante, tudo isso acontece com as mesmas tonalidades, rubricas e notas. A radicalidade da ausência de emoções para retratar uma sociedade anestesiada cobra um preço alto do espectador, pois não é suficientemente forte como diagnóstico para sustentar em si o interesse.
Maria Clara Escobar opta por inverter as cronologias e apresentar as andanças de Laura depois do anúncio da morte repentina e misteriosa em terras argentinas. E é justamente nesse último segmento que Desterro se torna ainda mais cativo da pretensão poética que, infelizmente, nunca vai além das declamações indicativas e das bem-vindas participações especiais de grandes nomes do cinema. Rômulo Braga, Georgette Fadel, Bárbara Colen e Isabel Zuaa desempenham papeis que podem ser desdobramentos simbólicos da sorumbática Laura. Eles e elas são companheiros de ocasião na viagem equilibrada de maneira hesitante entre o simbólico e o concreto. No entanto, falta inventividade às construções visual e sonora para essas camadas se entrecruzarem com bons efeitos dramáticos. A cineasta aprisiona os corpos em movimentos rígidos e as palavras em entonações duras, se esquecendo de tratar o som e a imagem como algo fundamental. O diálogo entre campo e extracampo (ou seja, entre o que está e o que não está na tela) é burocrático como as interações entre os personagens que circunstancialmente se libertam das carapaças sociais. Em certa medida, essa proposta das figuras que se tornam apáticas por conta do mundo castrador é semelhante às utilizadas por Aki Kaurismäki e Amat Escalante, mas desacompanhada do senso crítico e da atmosfera de estranhamento que nas obras do finlandês e do mexicano servem melhor como moldura contextual. O teor do resultado oscila entre o provocativo e enfadonho por utilizar o antinaturalismo como cacoete estilístico sem tanta potência.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 5 |
Ailton Monteiro | 8 |
Francisco Carbone | 8 |
Alex Gonçalves | 5 |
MÉDIA | 6.5 |
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