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Sinopse

Uma mulher grávida e sozinha à deriva no mar precisa tentar sobreviver após fugir de um país destruído.

Crítica

Os primeiros 25 minutos de Destinos à Deriva até ensaiam a construção de uma alegoria política para sustentar a jornada espetacular de uma grávida solitária largada à deriva no oceano. Mia (Anna Castillo) e Nico (Tamar Novas) formam um casal atingido pela crise hídrica que instaura na Espanha uma verdadeira distopia autoritária – o Estado prende crianças e mulheres grávidas, agindo como exterminador de “excedentes” para readequar a realidade à escassez do recurso natural. Enquanto se deslocam para uma tentativa de travessia clandestina à Irlanda, eles veem pelas frestas do veículo pessoas colocadas em jaulas e um pandemônio no qual os cidadãos comuns são torturados pela polícia. Aliás, adiante no enredo há uma demonstração ainda mais agressiva da atitude oficial diante da descoberta de possíveis migrantes. Portanto, um prato cheio para a ficção se basear nos fatos (a da atual crise migratória que assola diversos territórios mundo afora) a fim de comentar a dureza da realidade. No entanto, esse panorama alusivo não é mais que uma desculpa para colocar Mia num contexto desfavorável. Nem mesmo o longo período em que ela passa isolada, praticamente sozinha, num contêiner à deriva serve para dar alguma dimensão ao aspecto político contido nesse futuro distópico em que a água se transforma num bem raro. Passados esses 25 minutos de prólogo, o que temos é o isolamento.

Pela 1h30 posterior, Destinos à Deriva mostra Mia resistindo a todo tipo de privação e desafio. Depois de ser a única sobrevivente de uma chacina, ela é arremessada no oceano dentro de um contêiner repleto de furos que rapidamente fazem um volume enorme e crescente de água. Grávida, quase sem comunicação (sequer visual) com o exterior, ela precisa sobreviver a sucessivas adversidades. Uma coisa curiosa dessa produção espanhola é que ela utiliza as ferramentas do suspense de modo banal com o intuito de esticar o melodrama. Senão vejamos. Temos uma personagem isolada num ambiente escuro/delimitado e com pouca margem de referência visual – ela enxerga a vastidão do oceano somente pelos buracos na sua embarcação improvisada. O cineasta Albert Pintó não imprime urgência nessa trama, pontuando burocraticamente coisas como a subida do nível da água no interior do contêiner e a iminência do parto que complicaria ainda mais uma situação aparentemente fadada a acabar em tragédia. A montagem assinada por Miguel Burgos não se encarrega de intensificar o nervosismo, às vezes mantendo planos longos cujo interesse está mais no desespero de Mia do que em sua falta de tempo/espaço para manobrar as próprias emoções. Além disso, o filme empilha contratempos como se os anteriores não agravassem os atuais, assim apenas acrescentando sem os avolumar.

Em dado momento, Mia consegue abrir uma escotilha improvisada que lhe dá acesso ao exterior – sempre com uma ferramenta convenientemente à mão, o que coloca em xeque a suspensão de nossa descrença. Ao sair, ela abre um corte feio na coxa, algo que a imagem faz questão de enfatizar (para causar impacto visual) e que Albert Pintó estende o quanto pode (limpeza da ferida, escolha do material improvável para a sutura e o processo dos pontos amadores). Dali em diante, a não ser por uma que outra mancada, o filme simplesmente não mais sinaliza que a protagonista está gravemente ferida e, quem sabe, à mercê de uma infecção seríssima. O diretor poderia utilizar esse machucado como acréscimo do dispositivo do contrarrelógio, ou seja, para adicionar outro problema agravado à medida que o tempo se torna escasso. Porém, esse corte profundo é encarado somente como outro problema que a mãe-coragem idealizada teve antes de, das duas uma, sucumbir/morrer gloriosamente ou conseguir um salvamento improvável (aqui não anteciparemos isso para evitar de inviabilizar a já pouco contemplada expectativa do público). O resultado é uma experiência longa demais, da qual se desprende uma sensação de marasmo pouco tenso e angustiante. Como dito antes, o foco da direção está na construção de um percurso valorizado como um enorme milagre protagonizado por uma sobrevivente nata.

Curiosamente, Albert Pintó e sua equipe são superficiais na relação que Mia tem com o espaço e o tempo acabando. Eles não sublinham a inquietude da protagonista diante da água subindo no interior do contêiner, pois estão mais interessados em canonizar essa gestante que tira como pode a água de dentro da “embarcação”. De modo parecido, o filme não mostra essa subida do nível interno como fator que delimita ainda mais o cenário às manobras físicas para Mia, pois está preocupado em mostrar a personagem perturbada em virtude da tela quebrada do celular que não a deixa atender a improvável ligação do marido também refugiado. A construção narrativa atende bem mais os preceitos do melodrama do que aos do suspense, à medida que coloca o sofrimento hierarquicamente superior à dúvida. O roteiro assinado por Indiana Lista, Ernest Riera, Seanne Winslow e Teresa de Rosendo cria situações romantizadas que diluem o pouco de angústia que o filme poderia causar, vide a presença de uma baleia nos arredores – inicialmente ameaçadora, à frente uma aliada inusitada. O parto, a agonia que leva ao consumo da placenta, o peixe cru saboreado como um manjar sofisticado, tudo isso injeta pouca carga dramática. São instantes encarados estritamente como desespero diante da falta de alternativas para sobreviver. O saldo é um filme arrastado, morno e enfraquecido por certa previsibilidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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