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Sinopse

Jean-Claude Bernardet está velho e doente. O maior crítico de cinema vivo do Brasil se reinventa através da sua própria destruição. O filme, que transita entre a ficção e o documentário, utiliza dispositivos inusitados para acionar a memória da personagem e narrar a trajetória de um intelectual que se transforma em ator aos 70 anos.

Crítica

Aos demasiadamente aferrados a conceitos e delimitações, pode ser complicado definir A Destruição de Bernardet como estritamente documental. A partir da ideia de uma falência da subjetividade, contra a qual o único antídoto possível seria a reinvenção das personalidades através da arte, o crítico/ator/roteirista Jean-Claude Bernardet se oferece novamente como matéria de autoficção. Assim, os limites entre a verdade e a encenação são completamente borrados, tornando praticamente impossível distinguir genuinidade e representação. Uma chave a esse entendimento é dada pela fala do protagonista, reproduzida de FilmeFobia (2008), de que a única imagem verdadeira é a de alguém diante de sua fobia, quando completamente destituído de qualquer ferramenta de construção artificial. Assim, o longa-metragem dirigido por Claudia Priscilla e Pedro Marques nada mais é que um veículo para o octogenário pensador, um dos mais brilhantes do cinema brasileiro, tentar se reconstruir.

Numa conversa reveladora, Jean-Claude fala abertamente com o colega Kiko Goifman sobre a vontade de morrer voluntariamente. Entre o debate das metodologias, feito obviamente de acordo com um roteiro, o interlocutor percebe que até mesmo as práticas ventiladas para o suicídio são performáticas, calcadas em espetáculos públicos, ora violentos, como a queda de um prédio, ora serenos, como a finitude acompanhada de amigos e familiares. Guardadas as devidas proporções, ambos são eventos públicos. Esse diálogo nos dá outra possibilidade de leitura de A Destruição de Bernardet, tendo como norte a tendência, abertamente deflagrada por outrem, do protagonista sempre buscar a plateia, o gesto assistido. Feitas tais observações, que perpassam o filme integralmente com dispositivos variáveis, é necessário dizer que os procedimentos acabam submetidos ao objeto, ou seja, o retratado define os rumos da narrativa, não o contrário. E os realizadores se submetem.

A Destruição de Bernardet é um documentário revelador em certos instantes, mas demasiadamente atraído pelo processo da figura principal. Destoando desse cenário linguístico em que a verdade e a farsa se entrelaçam e, portanto, geram confusão, há determinadas passagens contraproducentes, como o confronto de Jean-Claude com seus personagens cinematográficos. O sujeito observa a telona o espelhando cenicamente, mas a impassibilidade de câmera de Claudia Priscilla e Pedro Marques soa como impotência, pois não consegue significar algo partindo da relação ali plenamente estabelecida. As caminhadas do protagonista pela floresta, que culminam na bela cena marcada por borboletas, apenas reforça o caráter ficcional que gradativamente se impõe. Coleção de fragmentos de um aparente cotidiano despojado, com visitas ao hospital, cenas domésticas supostamente espontâneas, o filme é uma tentativa de celebrar o personagem alimentado por seu criador.

Claudia Priscilla e Pedro Marques permitem uma investigação conceitual, mas não esgaçam seus limites, conformando-se com a repetição de mecanismos que rapidamente criam uma reiteração prejudicial. Fieis ao personagem por quem evidentemente sentem admiração, os realizadores deixam Jean-Claude expressar ideias e formulações sobre a corporificação que o cinema lhe trouxe, dando-lhe alforria ocasional do âmbito das ideias. Reflexões como a beleza da efemeridade, num mundo focado atualmente em eternizar instantes, são subaproveitadas, embora se conectem apropriadamente com a constatação da essência impermanente do ser humano. O ponto frágil do filme é a impostação excessiva, a ausência de um mergulho mais radical na proposta cinematográfica, ao ponto da sensibilidade de Jean-Claude ser entendida como uma egotrip na qual a morbidez é utilizada para barganhar com o espectador, em que as concepções de vida e morte estão atreladas ao desejo do protagonista de virar um show.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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