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Sinopse

Condenado a cumprir prisão no regime semiaberto, Pedro recebe um indulto para passar o Natal com a família em Patos, cidade do interior da Paraíba. Ele reviver velhos sentimentos enquanto planeja algo misterioso.

Crítica

A premissa de Desvio é bastante familiar, sobretudo em virtude de sua recorrência nos cinemas. Um rapaz retorna à cidade de origem para passar o Natal com os seus, isso depois de muitos anos de ausência. Claro que há doses equivalentes de familiaridade e estranheza, pois aquela geografia (física e social) conserva elementos conhecidos e outros estranhos ao sujeito. Todavia, ao invés de focar-se na maneira como o entorno responde a essa volta, o cineasta Arthur Lins prefere manter o foco estreito na jornada cumprida pelo protagonista em busca de pequenos acertos de conta. Pedro (Daniel Porpino) cumpre pena em regime semiaberto por um crime do qual não somos informados a natureza. Diariamente, ele precisa retornar ao presídio para dormir, conjuntura que o coloca entre dois universos cotidianamente. O indulto das festas de fim de ano garante o retorno à pequena Patos, no interior da Paraíba, onde está a mãe e grande parte dos parentes próximos. Lá, acaba se identificando com a prima Pâmela (Annie Goretti), jovem que apresenta o mesmo ímpeto libertário de sua adolescência e uma propensão equivalente a extravasar o anseio de liberdade por meio da música.

O modo como Arthur Lins se esforça para encaixar diversas convenções num contexto singular do interior da Paraíba traz a Desvio um traço de personalidade em meio ao tantos lugares-comuns por ele utilizados. Os episódios que sobrevêm à chegada de Pedro não são necessariamente surpreendentes, sobretudo, pois análogos aos que acontecem em várias histórias de conteúdo parecido. Ele tem um contato afetuoso com a mãe (matriarca que demonstra felicidade com a presença do filho, mas preocupação com seus rumos futuros); procura os amigos do passado, encontrando alguns bastante distantes da vocação subversiva anteriormente cantada a plenos pulmões; tem um confronto de natureza geracional capaz de expor os preconceitos de gente chegada; faz um movimento que pode colocar em risco sua “recuperação”. Nada é realmente novo, tudo é basicamente legível. Porém, o modo como a câmera se detém no semblante dos personagens, a vontade de entender a importância da configuração daquela localidade, a valorização da reconexão ao mesmo tempo enternecedora e potencialmente dolorosa, não permitem ao filme se tornar uma mera reiteração sem alma.

Desvio é aquele tipo de obra que deixa evidentes as suas fragilidades, mas que oferece à nossa intuição subsídios para percebermos uma voz genuína querendo se expressar diante de expedientes capazes de comprometer sua personalidade. O reconhecimento metafórico de Pedro em Pâmela é óbvio, vide os caminhos praticamente iguais que a menina toma em relação a aspectos caros a ele. Exemplo disso, a conexão com a musicalidade de protesto vociferado e as dificuldades para conformar-se com as camisas de força impostas por uma coletividade que, não à toa, silenciosamente aos poucos reprime toda essa energia juvenil caracterizada pela inconformidade. Pena que, por exemplo, Arthur Lins não substancie mais essa relação, tampouco invista na constatação de que a “domesticação” da insubordinação do primo mais velho é um processo violento que pode estar no horizonte da caçula idealista. No entanto, para cada cena um tanto clichê, como a da conversa com o amigo que se tornou um membro resignado da classe média – como aquela lenga-lenga de apartamento para pagar em 30 anos e responsabilidades adultas –, há boas tiradas temperando o longa nas entrelinhas.

Um dos maiores acertos do filme é não ficar detido numa sucessão de processos didáticos. Beneficamente, Arthur frustra as expectativas do espectador curioso quanto à motivação de Pedro para flertar novamente com a criminalidade. Por um lado, o protagonista parece cauteloso ao não aceitar bebidas e cumprir à risca as diretrizes que lhe são lidas antes do indulto. Por outro, se aproxima perigosamente do mundo que, se exposto, pode complicar demasiadamente sua condição como encarcerado. Essa contradição lógica, não totalmente revelada aqui, faz um bem danado ao todo, pois o distancia justamente das esperanças que a adesão a certos lugares-comuns acaba plantando. Portanto, num nível superficial, Desvio até pode soar lotado de chavões narrativos, mas tem um tecido sensível sendo urdido para ocupar lacunas essenciais e deixar propositalmente outras sem preenchimento. Grande vencedora da 14ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, esta produção inspira códigos bastante conhecidos, mas expira, ao menos, lufadas de uma perspectiva particular, assim oferecendo uma experiência, senão profunda e rara, enlevada por certas estratégias sutis de abordagem.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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