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Crítica


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Sinopse

Descontente com a política, Madeinusa decide se tornar detetive particular. Depois de aparecer na televisão, ele é contratado por um empresário bilionário cujo boi valioso foi sequestrado. O investigador atrapalhado convida o melhor amigo, Uóston, além de três peritas em disfarce, telepatia e informática, para ajudá-lo na procura pelo responsável.

Crítica

É estranha a sensação de assistir a um filme que não se importa com o cinema. Nem com os personagens. Nem com os cenários, a montagem, a iluminação, a lógica, a produção de sentido. Trata-se de um produto realizado apesar do cinema, precisando criar imagens para preencher o tempo necessário ao amontoado de piadas. Porque, afinal, é isso que importa neste tipo de humor: a velocidade e a quantidade de anedotas embutidas nos diálogos. Detetive Madeinusa (2021) gira em torno de um detetive que nunca investiga de fato. Ele é auxiliado por uma perita em informática cuja função na trama é banal, além de uma vidente sem qualquer poder de fato e um assistente desprovido de vida própria. Juntos, saem à caça de clientes - ou de políticos corruptos, ou de mulheres loiras entrando pela porta, tanto faz. A trama envolve a busca por um boi branco de manchas brancas, porém jamais haverá qualquer pista do animal. Uma personagem “trava” durante o dia, e só pode ser despertada por uma canção específica de Pabllo Vittar. Dois homens em frente ao escritório encenam uma disputa de dança. Nada disso tem sentido, porque os criadores nunca quiseram que tivesse. Este é um longa-metragem muito, muito ruim, e no fundo, supõe-se que os autores possuam plena consciência disso, mas não se importam.

O projeto parte de uma concepção de comédia na qual mais é melhor. É preciso inserir o máximo de trocadilhos, pedir aos atores que exagerem nas caretas, que se multiplique a trilha sonora, acumule participações especiais (Rubens Barrichello, Gustavo Borges, Neymar e Wesley Safadão são algumas delas). A direção demonstra medo do silêncio e do desenvolvimento de conflitos, preferindo gags curtíssimas cuja graça modesta se perde pela repetição: o plágio da “Cabeleleila Leila” é apresentado três vezes seguidas. O desgastado gemidão do Zap se repete em duas cenas consecutivas. As punchlines se anunciam com antecedência, eliminando qualquer surpresa: quando um personagem aleatório fala de uma planta raríssima, sabemos que ela será destruída segundos depois. Dito e feito. Quando Madeinusa (Tirullipa) demonstra uma obsessão abrupta por iogurte, é óbvio que o produto não será iogurte de fato. Assim que diz “Agora nada pode dar errado”, algo dá errado. O ritmo se torna previsível e arrastado dentro de uma trama inerte, caminhando em círculos. O roteiro escrito a dez mãos (o que terá acontecido nesse processo?) está saturado de agitação e histeria, mas possui pouco conflito. Ele fornece a impressão de se navegar durante 102 minutos pela timeline de algum perfil das redes sociais, desesperado para conseguir novas curtidas. “Estou ao seu dispor”. “Por”. “Como?”. “Você falou ‘diz por’, então eu disse ‘por’". Esse é o nível.

Estas escolhas refletem o estado do humor popular em tempos pandêmicos, de plataformas virtuais, e de celebridades-marcas (o império dos influenciadores). Da produção à finalização, os criadores apostaram na forma mais leve de cinema que poderiam imaginar, do tipo que se assiste para passar o tempo e se esquecer em seguida - o equivalente audiovisual de um fast food. Não há dúvida de que produções do tipo já tiveram resultados expressivos em termos de bilheteria, e que o filme da Amazon possa atrair um público significativo. A argumentação não diz respeito à falta de demanda, e sim à concepção dos autores quanto à inteligência e a capacidade cognitiva do espectador. Estima-se que o público será incapaz de compreender uma piada, por isso, ela precisa ser repetida duas, três vezes - de onde surge a ironia de tantos espectadores adorarem um tipo de conteúdo que, basicamente, chama-os de burros. Esta experiência audiovisual dispersa (pela montagem e narrativa), para ser vista na televisão de casa, busca se adequar ao público que vai manter o celular nas mãos, pegar alguma comida na geladeira, ir ao banheiro e voltar pro sofá, sem precisar pausar a projeção. Por que Madeinusa tira as calças na casa do bilionário? Eu perdi algo? Não, não perdeu. O herói o faz porque sim, e os demais personagens agem de modo semelhante - seja a colega vestida de faixa de pedestre ou a outra que provoca um desmaio em Gretchen, sem saber o que fazer com a mulher desacordada. Nenhum personagem precisava desempenhar estas ações: eles o fazem porque querem; porque sim.

Há um caráter regressivo, assumidamente infantil, neste jogo cênico absurdo. Do mesmo modo que as crianças misturam policiais, monstros e princesas em suas histórias fantasiosas, os roteiristas empilham elementos cuja coerência decorre somente do esforço da montagem - isolados, seriam esquetes desconexas para o YouTube ou TikTok. A exemplo dos pequenos, ainda não se conclui a fase de desenvolvimento anal e oral (vide a fascinação por peidos, vômito e cocô), enquanto a sedução se torna assexuada, patética. Quando os filhos pequenos fazem piadas do tipo, compreende-se o gesto, afinal, estão desenvolvendo sua percepção de mundo. No caso de artistas adultos fornecendo um entretenimento oneroso a outros adultos, o resultado se faz mais questionável. Entretanto, havia potencial para uma comédia menos insistente: Tirullipa e Whindersson Nunes sabem conduzir uma piada, embora pareçam calibrados para gritar forte e alto, enquanto Aisha Jambo, Luana Tanaka e Bruno Montaleone demonstram um grau de comprometimento respeitável para uma brincadeira tão rasteira. A menção aos políticos corruptos e a possível alusão à bancada do boi teriam sua relevância, porém se convertem em massa para o pastiche indigesto da trama. A prioridade número um se encontra no caráter inofensivo, razão pela qual o longa-metragem busca poupar sensibilidades à direita e à esquerda. 

Nesta compreensão ampla do “senso comum”, permanece a sugestão de que nordestinos são burros e desengonçados; as travestis são figuras ridículas, falsas e perigosas; a possível aproximação afetiva entre dois homens deve ser descartada enquanto antinatural; as mulheres devem ocupar posições secundárias, de assistência aos homens. “Mas isso é só uma comédia, não dá para problematizar!”, costumam alegar as vozes de defesa do status quo. Ora, nenhum filme é inocente a tal ponto de se descolar do mundo onde se insere, e possui responsabilidade em relação aos grupos e situações que retrata. Seria tão fácil empoderar as mulheres quanto ridicularizá-las, tão fácil parodiar o ricos quanto poupar as travestis de uma enésima representação preconceituosa. Os autores estimam que nestas pessoas se encontra o motivo de escárnio, o desprezo pelo “outro”, aquele com quem não se identifica. Talvez tenham considerado mais fácil mirar em alvos tradicionalmente desprezados: a facilidade se converte em chave principal para justificar tantos enquadramentos, cortes, caracterizações e acontecimentos impensáveis neste filme. Quando Madeinusa entra no porta-malas de um carro, sem qualquer necessidade de fazê-lo, a colega indignada o observa e se exclama: “O que ele está fazendo? Mas por quê? Por quê?”. A indagação se estende ao projeto como um todo. 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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