Deu Preguiça

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Sinopse

Em Deu Preguiça, após uma tempestade destruir seu lar, uma família de preguiças liderada por Gabriella é forçada a se mudar para a agitada cidade grande, levando consigo seu food truck e um antigo livro de receitas. Deixando para trás a vida tranquila e guiados pela energia da jovem Laura, eles embarcam nessa aventura. Animação.

Crítica

Animação australiana que faz menção à cultura mexicana (?), Deu Preguiça fala de um abismo geracional, mais precisamente da dificuldade que a pequena Laura (voz de Tontom) enfrenta para se comunicar com sua mãe, a cozinheira de mão cheia Gabriella (voz Heloisa Périssé). As duas fazem parte de uma família latino-americana tradicional que administra um restaurante. No entanto, como são preguiças, os pratos demoram a ficar prontos, o que torna comum os clientes esperarem por duas horas um simples almoço. Obrigados a se mudar para a cidade grande após uma tempestade destruir a casa onde moravam, eles vão tentar a sorte grande num território tomado pelo fast food. Portanto, a premissa permite a abordagem de vários assuntos, dos ruídos entre as protagonistas, passando pela resistência da experiência menos ansiosa e acelerada, chegando à necessidade de valorizar a comida caseira diante da concorrência com alimentos sem “personalidade e história” – a velha dicotomia entre a tradição e a modernidade. No entanto, nada disso é muito elaborado. No entanto, os diretores Ricard Cussó e Tania Vincent se contentam com uma aventura superficial, muitas vezes um tanto monótona, cuja estratégia narrativa é criar uma crise enorme e a resolver por meio de uma série de lições de moral. E, além do mais, não faz o mínimo sentido a alusão à cultura mexicana, pois isso tem apenas um porquê.

Deu Preguiça

Nem dá para dizer que esse longa-metragem australiano se apropria de modo irresponsável da cultura mexicana, pois ela está impressa somente nas comidas que a família serve como alternativa aos hambúrgueres da rede comandada pela vilã guepardo. Então, o teor hispânico da obra está localizado estritamente no cardápio, com muito boa vontade também podendo ser encontrado no discurso a respeito da importância de uma família unida. Talvez reproduzindo o pensamento de que não é preciso muito para engajar o público infantil (o que não é verdade), os realizadores fazem um filme em que nada realmente é relevante, no qual os obstáculos aparentemente intransponíveis são vencidos sempre na base da união. Por exemplo, é de se esperar que a família tenha alguma dificuldade para sair de sua terra natal e se alojar na metrópole. Mas isso não acontece. Simplesmente todos entram no furgão recém-reformado e chegam ao novo endereço sem qualquer empecilho. A demora para conseguir clientes tem um motivo principal: Gabriella não quer acelerar o passo, a isso preferindo perder dinheiro, desde que continue cozinhando com paciência. No entanto, quando as coisas ficam insustentáveis, a mudança acontece e não há qualquer indício de lamento nessa matriarca. É como se, ao virar uma página, o filme se esquecesse imediatamente do teor dela. Ironia: o filme tem ansiedade.

Deu Preguiça é pensado para uma plateia muito pequena. No quesito design de personagens, o conceito é mais interessante que a execução. As preguiças ganham características humanas e a vilã também tem um visual condizente com a sua atitude no filme. Porém, a animação deixa muito a desejar, especialmente no que diz respeito à concepção das texturas. Os animais parecem feitos de blocos de material sintético com ranhuras tentando imitar pelos. Além disso, os movimentos são engessados, como quando o patriarca se desloca, mas seu bigode continua parecendo um bloco engessado colocado sobre a sua boca. Acostumados que estamos com animações mais tecnicamente elaboradas, estranhamos esse resultado que provavelmente tem a ver com o baixo orçamento à disposição (para os padrões da animação), mas também com um equívoco conceitual. Entretanto, para além disso, há a exploração insuficiente da cidade grande como um lugar potencialmente desafiador. Vemos apenas a área onde o food truck fica, a sede da empresa de fast food e o parque onde Laura encontra seus primeiros amigos na nova casa. Há também poucos coadjuvantes/figurantes, o que contribui para dificultar nossa percepção a respeito desse lugar, algo que parecia fundamental para os dramas da protagonista. E há ainda outros elementos muito mal aproveitados, como os crescentes lapsos de memória de Gabriella.

Nessa trama colorida e inocente, alguns apontamentos passam em brancas nuvens. Ninguém percebe que a produtividade do food truck familiar aumenta não porque eles adotam a lógica da linha de produção, mas porque todos os membros do clã resolvem ajudar? Nos primeiros minutos de Deu Preguiça vemos a mãe e a filha trabalhando no restaurante, vagarosamente, mas trabalhando. Paralelamente, o patriarca e o outro filho fazem corpo mole ou contemplam as belezas do mundo enquanto as preguiças fêmeas trabalham. Ricard Cussó e Tania Vincent não enxergam isso de maneira crítica, pelo contrário, pois estão sempre encarando o pai como um sujeito incrível e positivo (o que de fato ele é), mas nunca colocam em dúvida a sua culpa nos possíveis fracassos do negócio familiar. Se no começo desse texto foi falado que pouco importa a utilização da cultura mexicana (senão como uma coisa meio exótica), o mesmo pode ser dito do fato de os personagens principais serem preguiças. O que poderia justificar essa escolha é a relevância do discurso que antagoniza calma e pressa. Como ele não é fundamental para o desdobramento do enredo, a escolha das preguiças parece um tanto gratuita – afinal de contas, fizeram tantas animações antropomorfizando espécies animais que sobraram poucas a ser exploradas. O resultado é frágil e inocente, até mesmo aos parâmetros do público-alvo infantil.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Robledo Milani
6
MÉDIA
5

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