Sinopse
Ao invadir uma mansão para roubas as joias da família, dois jovens encontram uma mulher que não deveria estar lá, com quem estabelecem um relacionamento inesperado. Acuados ainda pelo alarme, como ambos escaparão?
Crítica
Deu Ruim (2017) constitui uma comédia de roubo que não gosta das convenções das comédias de roubo. Ele desenvolve um furto praticado por dois homens sem real intenção de adquirir bens de valor, e desprovidos de dificuldades financeiras aparentes. A dupla não bola um plano consistente, nem corre riscos uma vez que adentra a casa. Visto que podem ficar mais tempo do que imaginavam, dilatam o roubo para uma estadia de mais de um dia. No papel, a ideia soa tentadora pela possibilidade de subverter o gênero pelo seu oposto. Os tradicionais assaltantes habilidosos são substituídos por dois “perdedores”; a dificuldade em encontrar os diamantes cede espaço a objetos imediatamente disponíveis; a tensão relacionada ao tempo do golpe e à fuga de policiais e guardas se converte numa estadia lenta, onde os rapazes têm tempo de conversar sobre seus passados amorosos, passear por cada cômodo, dormir no local. O senso de urgência é trocado pela dilatação temporal.
No entanto, tamanha inversão a partir do tempo e do espaço exigiria um diretor afiado na condução do timing das atuações e da montagem. A comédia costuma exigir cortes mais secos, diálogos ágeis e concepções criativas de imagem. Ora, o diretor e roteirista Jason Headley encontra dificuldade em imprimir ritmo ao seu próprio texto. As piadas disparadas pelos amigos Leo (Will Rogers) e Marlon (Matt Jones) não funcionam devido ao uso frágil da linguagem: as cenas se estendem demais, a ponto de esvaziar a comicidade das falas, enquanto enquadramentos, luz e figurinos/cenários não trazem qualquer elemento cômico capaz de amparar e ampliar o sentido das gags, visto que a imagem se limita a ilustrar o roteiro verborrágico. Sobretudo, o espectador não conhece nada sobre os protagonistas que permita sustentar as piadas. Não sabemos como os dois se conhecem, o que já fizeram no passado, por que planejam o roubo há tanto tempo, o que fariam com o dinheiro. Deste modo, é difícil rir das piadas nerd de Marlon, ou ainda da desilusão amorosa de Leo, visto que nenhum destes elementos foi trabalhado pelo filme até então. Os personagens perambulam pela casa a esmo, conversando sem parar dentro de planos de conjunto banais.
“Este é o roubo mais triste de todos os tempos”, reflete Marlon a certa altura da trama, e seria impossível discordar dele. Algumas cenas concebidas para um efeito hilário produzem um resultado constrangedor. A longa retirada de um filme plástico da cabeça do assaltante é esticada pela montagem, que acredita ampliar o humor à medida que a ação se desenrola. (Este seria o tipo de comicidade que o elenco de Saturday Night Live tiraria de letra, diga-se de passagem). Em seguida, uma tirada extensa sobre a importância de uma luminária kitsch na vida de Leo busca o mesmo efeito do absurdo, no entanto retarda ainda mais o ritmo. Ao invés de alternar cenas explosivas com um contexto mais lento, de modo a criar certo relevo narrativo, Headley decide partir de uma situação letárgica e esticá-la ainda mais em busca de risadas. Isso faz com que as piadas sobre Marlon Brando/Marlon Jackson, sobre o programa de rádio e o anel de diamantes percam o sentido. Matt Jones havia demonstrado um timing cômico impecável com o texto afiado de Breaking Bad (2008 – 2013), porém tem pouco a fazer dentro desta dinâmica linear.
Ao menos, o terço final de Deu Ruim introduz um pequeno perigo para a dupla enfrentar. Neste momento, a comédia se acelera e os personagens são obrigados a demonstrar alguma forma de malícia. Mesmo que a farsa diante do policial corresponda aos clichês tradicionais do filme de roubo, ela serve a colocar os personagens dentro de um cenário mais plausível onde os planos tão precários se deparam com limitações. Antes disso, somos confrontados a duas figuras cujo humor se esgota devido à simplicidade: um nerd e um apaixonado incorrigível, que se desenvolvem muito pouco rumo à conclusão, e apresentam um estilo de fala semelhante demais. Haveria diversas maneiras de brincar com este cenário onde pobres se confrontam a ricos, homens se chocam com mulheres, e os assépticos condomínios de luxo brigam para manter a aparência de conformidade às normas. Entretanto, o diretor evita trabalhar o espaço externo, fundamental à dinâmica do roubo: há vizinhos ao redor? Câmeras? O que existe fora deste condomínio? Eles poderiam se infiltrar em meio aos funcionários do local?
Talvez para manter a produção mais enxuta, a comédia se resume a uma estrutura teatral, com apenas três personagens se provocando num cenário imutável. Os aspectos sociais, políticos e de gênero relacionados ao roubo são descartados. Ao menos, o projeto permite descobrir Eleanor Pienta, atriz que completa a trinca e desempenha seu papel com mais vigor que os colegas masculinos por alternar entre a ingenuidade e a malícia. O roteiro certamente não precisaria reduzi-la a um interesse amoroso para o herói (como é redutor, em pleno 2020, colocar a única personagem feminina neste papel acessório!), mas a atriz faz o possível dentro das limitações narrativas. O filme constitui um projeto modesto, tanto em termos de ambição quanto de produção, e atinge um resultado equivalente. Headley não almeja inovar o gênero nem tecer comentários sobre as comédias de roubo, nem sobre a sociedade em que se inserem. Ele se contenta com a figura dos palhaços tristes roubando uma casa fácil até demais de entrar, e por isso mesmo, esquecendo seus objetivos no meio do processo. Um roubo triste, de fato, para quem souber apreciar esta forma particular de humor.
Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)
- O Dia da Posse - 31 de outubro de 2024
- Trabalhadoras - 15 de agosto de 2024
- Filho de Boi - 1 de agosto de 2024
Deixe um comentário