Crítica
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Sinopse
Diamante Bruto conta a história de Liane, uma jovem de 19 anos, ousada e cheia de energia, que vive com a mãe e a irmã menor num bairro empoeirado de Fréjus. Obcecada pela beleza e pelo desejo de se tornar famosa, ela enxerga na televisão uma oportunidade de ser amada. O destino finalmente parece sorrir para ela quando é pré-selecionada para o reality show “Miracle Island”. Exibido no Festival de Cannes 2024.
Crítica
Liane está mal. Não dormiu bem, saiu de casa atrasada, alguma coisa não está certa. Mas Liane não está assim apenas hoje. Esse desconforto percorre sua existência. Não tem paciência com a irmã menor, por mais que grande parte do seu esforço diário seja para garantir que a pequena tenha uma realidade melhor do que aquela que ela própria desfruta hoje. Trocar duas palavras com a mãe delas, sem se estourar e povoar o diálogo com palavrões e xingamentos, é uma tarefa quase impossível. Essa pressa que a consome é em crescer, em mudar, em ser descoberta. Liane é, afinal, um Diamante Bruto, tal qual o título aponta. É ela que não aguenta mais esperar por uma lapidação. Pois tem certeza que, dentro de si, há muito a ser explorado e, principalmente, valorizado. Tal qual o filme da cineasta francesa Agathe Riedinger: uma pedra em estado bruto, do qual para muitos será difícil se aproximar, seja pelo acesso complicado, como pelo tanto que revela de si. Mas, acima de tudo, pelo reflexo que proporciona a respeito daquele que o observa.
Diretora e roteirista estreante no formato, Riedinger deposita em sua protagonista, a novata Malou Khebizi, uma responsabilidade inimaginável para alguém sem familiaridade com o exercício da atuação. Surpreendentemente, a garota se confirma tal qual sua personagem, uma revelação esperando por ser notada. Como um vulcão prestes a entrar em erupção, estado que se mantém inalterado na maior parte de sua trajetória, a garota vai acumulando insatisfações e derrotas – dentro de casa, em família, com as amigas, com vizinhos, com quem cruza pelas ruas – sanadas apenas pelo conforto que encontra no mais improvável dos lugares. Um refúgio feito para abastecer essa vontade constante de atenção e carência, mas que assim como dá, também toma, num processo viciante e limitador.
Liane, afinal, quer ser vista. Mais do que isso, quer ser lembrada. Ou além: quer ser invejada, cobiçada, desejada, celebrada. Seu objetivo é se tornar uma influenciadora digital, alguém capaz de ditar tendências, hábil em provocar mudanças de comportamento e da qual se pode esperar tudo, menos o óbvio. A validação, portanto, não vem de si, mas dos outros. É a primeira coisa que faz todos os dias ao acordar: esticar o braço até seu smartphone e conferir as mensagens deixadas em seu perfil. A grande maioria é formada por elogios, muitos desproporcionais ao pouco que entrega. Afinal, é apenas uma jovem bonita, com seios artificiais e um rosto exageradamente maquiado. Não são todos, como se percebe, que caem nestes encantos. E assim, entre os tantos que dela tentam se aproximar pelas plataformas online, há também os que querem apenas destilar um ódio interno. “Pq vc ñ morre?”, lhe pergunta um.
Por vezes a jovem parece estar disposta a jogar a toalha. Quando trancada no seu quarto, fechada em suas frustrações pessoais, cansada de pequenos roubos que servem apenas para manter a imagem que criou para si. Desprezada pelas ex-colegas que não se veem nessa obsessão pela fama. Incompreendida pela assistente social que insiste com ela para continuar seus estudos. Ou mesmo frente ao avanço do único rapaz que se demonstra genuinamente interessado na sua pessoa, sem rompantes artificiais ou em busca de um prazer imediato. Talvez não esteja pronta para o carinho de apenas um. É por isso que, quando é chamada para fazer um teste para um novo reality show, deposita ali todas as suas (poucas) fichas. Não tem mais porque esperar. A mudança começou. E é ela que irá conduzir esse movimento, sem se permitir ficar para trás.
Agathe Riedinger não precisa de muito para dizer tudo aquilo pelo qual seu discurso anseia. E encontra em Malou Khebizi a condutora para nesse turbilhão próximo do colapso. Somente o alcance destes sonhos que há muito vêm sendo cultivados poderá acalmá-la, mas estarão eles ao alcance de todos? Ou ao menos de qualquer um que a eles se dedique? Ou, ainda, caberá apenas a alguns poucos, sortudos ou abençoados, que nem mesmo entendem – ou sequer valorizam – o privilégio a que tiveram acesso? Diamante Bruto é sobre uma autoestima que se consome, um mundo que só encontra valia naquilo que o espelho revela, uma crítica voraz ao atual estado das coisas e um canto de esperança endereçado àqueles comprometidos em não se deixar abater. Uma dor que vem de dentro e exige por demais em troca. Quem estará disposto a pagar por tão alto preço? Talvez esteja aí a diferença entre os muitos (que ficam) e os poucos (que partem).
Filme visto durante o 15o Festival Varilux de Cinema Francês, em novembro de 2024
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