Crítica
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Sinopse
A adolescente Liz é mandada para um intercâmbio na Irlanda. O retorno ao Brasil é carregado de frustrações e desilusões, o que desequilibra a menina. Liz torna vítima de um transtorno alimentar que limita a sua vida.
Crítica
A Liz (Manoela Alipert) que começa Diário de Viagem é uma adolescente prestes a encarar a primeira jornada solo de sua vida. No avião, enquanto transita do Brasil à Irlanda em que fará intercâmbio, ela escreve no diário que pretende ser outra pessoa. E nós ouvimos isso em off. Liz fala de inseguranças, demonstra estar em crise existencial e afirma para si própria que deseja ser uma mulher mais interessante, pela qual os outros se sintam atraídos. A cineasta Paula Kim resume nesse momento crucial de mudança o que precisamos saber sobre a menina introspectiva, com baixa autoestima e que anseia por algo novo. Compartilhar conosco a escrita confessional no diário é uma estratégia para nos tornar íntimos da protagonista, para nos dar acesso a ideias e pensamentos inconfessos, às profundezas de suas dificuldades. Portanto, o filme inicia nos fornecendo entrada na privacidade de alguém que se sente isolada. E, desde o começo da trama, a atriz Manoela Alipert aposta numa composição muito marcada, feita de tiques e movimentos bruscos, às vezes criando um ruído próximo à estereotipia. Mas, verdade seja dita, essa atitude da intérprete é coerente com os tons grifados nesse filme que não demonstra apreço pelas sutilezas. A maquiagem, a maneira de as pessoas se comunicarem, o encaixe dos papeis, tudo funciona para ficar bem escancarado quem faz o que, quando e como.
Outra coisa que chama atenção desde o princípio do longa-metragem baseado nas experiências reais vividas pela diretora é certo engessamento da encenação, vide a câmera que simplesmente registra sem instigar as entrelinhas e o comportamento endurecido dos coadjuvantes. Paula demonstra interesse em fazer um filme que invariavelmente parta das percepções de Liz, para isso tratando os demais personagens como meros adornos valiosos apenas pelas funções desempenhadas. Por exemplo, os pais da protagonista, vividos por Eucir de Souza e Virginia Cavendish, são somente os genitores zelosos, preocupados com a crescente crise que toma conta da filha adolescente. Quase não há indícios de quem eles são e a partir de quais perspectivas lidam com a anorexia nervosa da menina. Quando muito, o homem aparece num par de cenas levemente embriagado, o que nos leva a crer num refúgio alcoólico. No fim das contas, sabemos quase nada deles. Da mesma forma, acontece com o interesse amoroso de Liz, as jovens que tentam dela se aproximar, os colegas que fazem chacota de sua aparência cadavérica, o menino que dela se achega na Irlanda. Esses personagens são praticamente destituídos de subjetividades, estratégia para centrar radicalmente as atenções em Liz, mas que esvazia o seu percurso emocional à medida em que o entorno é sublinhado como algo essencial.
Portanto, Diário de uma Viagem parte da aparentemente consciente vontade de retratar uma jornada íntima e dolorosa, para isso minimizando a personalidade dos demais. É como se a cineasta temesse o desvio de interesse ou um deslocamento de foco. Porém, até como exemplar radicalmente atento à protagonista o filme deixa a desejar. Primeiro, porque o conjunto de estereotipias (que tornam a personagem tipificada), a restringem a “menina cujas questões a resolver internamente e fragilidades psicológicas são materializadas numa anorexia”; segundo, porque não trabalha nuances e oscilações, reiterando sempre as mesmas características e comportamentos, assim anunciando uma jornada angustiante e solitária, mas sem traçar isso cinematograficamente; terceiro, porque Manoela Alipert utiliza as mesmas tintas e tons para representar a menina angustiada do começo e a versão posterior que flagela o próprio corpo; e, por fim, quarto, ao deixar vagos alguns aspectos (talvez por receio de se tornar didática). O resultado é que Liz se torna uma protagonista por quem evidentemente nos apiedamos, atravessada por sensações que devem ser reconhecidas por parte da plateia (afinal de contas, todos fomos ou seremos adolescentes), mas que não se consolida como exemplo para a reflexão sobre um problema gravíssimo que afeta uma parcela significativa de jovens com tais questões.
Além desses problemas relativos ao conceito, há fragilidades de execução que enfraquecem até mesmo a importantíssima mensagem de alerta contida em Diário de Viagem. Talvez como sintoma desse desinteresse que Paula tem pela individualidade dos coadjuvantes ou quiçá por dificuldades de ordem prática, os planos seguem um esquema quase sempre igual. Liz como centro das atenções e ao fundo coadjuvantes e figurantes compondo uma paisagem que carrega muito de artificial. É constante a sensação de que a jovem transita por ou permanece em espaços nos quais as pessoas são efetivamente atores e atrizes atendendo/obedecendo às marcações. Paula não injeta vivacidade nos quadros, expondo os outros membros do elenco a uma noção de artificialidade. Às vezes isso tem a ver com a movimentação da gente em cena (desprovida de naturalidade), mas noutras está mais diretamente ligada a um descuido com a composição material dos enquadramentos, ou seja, com o preenchimento dramático utilizando elementos cênicos. Esse conjunto de fragilidades dificulta a conexão emocional com a protagonista disposta como o centro de um universo diegético (dimensão ficcional da narrativa) frequentemente prejudicado pela ausência de espontaneidade. Então, diante de um assunto importante, Paula Kim prioriza a denúncia e o alerta, perdendo de vista as densidades do drama.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 3 |
Alysson Oliveira | 6 |
Alex Gonçalves | 8 |
MÉDIA | 5.7 |
Essa menina Manoela surpreendeu me de uma forma marcante, excelente trabalho, fiquei fã. ☺️👏👏👏😍