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Sinopse

Três mulheres, uma presidiária, uma transsexual e uma empregada doméstica, têm suas histórias conectadas pela dificuldade de se incluir socialmente. Elas buscam melhorar a vida com a ajuda da sala de aula.

Crítica

Embora o ambiente escolar seja um vetor importante em Diários de Classe, ele não se mantém como norte absoluto do documentário dirigido por Maria Carolina da Silva e Igor Souza. Na medida em que as histórias se entrecruzam, em que discussões importantes atravessam o cotidiano das três protagonistas, o colégio deixa de ser um espaço imprescindível, tornando-se periférico, ainda que não descartável. Vemos Tifany, jovem transexual em busca de afirmação identitária, penando para soletrar palavras, o que denota a sua condição semianalfabeta. Adiante, o contexto se encarrega de explicar tal defasagem de aprendizado. Algo semelhante pode ser visto nas trajetórias da encarcerada Vânia, que intenta apropriar-se do conhecimento como ferramenta para reparar as injustiças das quais se entende vítima, e de Maria José, diarista que aposta nas aulas como uma maneira de ascender socialmente, de sobrepujar a miserabilidade de sua situação atual.

Diários de Classe transcorre um tanto tortuosamente após a simples fase de apresentação das personagens. Boa parte dessa sensação advém da falta de cuidado diretivo, justamente, com as óbvias similitudes, ou seja, com tudo aquilo que interliga de forma direta essas figuras proprietárias de histórias de vidas diferentes, mesmo pautadas por restrições e agentes bastante parecidos num sentido mais profundo. Paulatinamente, o longa encontra caminhos alternativos, vide não se aferrar tanto à questão educacional – senão a fim de identificar a sua precariedade como nocivo efeito direto de políticas públicas excludentes –, se apegando às particularidades. Estas, sim, então somadas, formam um painel unificado e consistente. Não obstante o alinhave relativamente bambo e a falta de esforços consideráveis para construir um painel necessariamente claro, ao filme não falta ímpeto a fim de apontar falhas estruturais e preconceitos enraizados, sendo as mulheres negras as principais negligenciadas nessa coletividade falocêntrica e essencialmente branca.

Um dos instantes mais paradigmáticos dessas discussões que se impõem ao longo de Diários de Classe é a cena de Maria José que, desejando conciliar o emprego e as aulas noturnas, às quais precisa se fazer presente com a filha pequena a tiracolo, dá uma verdadeira aula de cidadania. Ela repreende uma colega submissa que tenta justificar ausências com as obrigações assumidas pela patroa, por sua vez, uma empregadora que não dá margem de negociação a necessidades básicas. Aliás, é essa fala que aponta à observação do contingente feminino e negro predominante na classe, servindo, portanto, de gatilho para fomentar uma discussão frequente sobre opressão e sujeição. Maria Carolina da Silva e Igor Souza tentam demonstrar que, inclusive, as políticas públicas de combate ao tráfico de drogas servem a um intuito de encarceramento e/ou morte da população negra, tendo como alvos prioritários as mulheres que acabam sendo arroladas mesmo sem culpa e/ou dolo. A pobreza também é trazida à baila como determinante ao funcionamento do judiciário no país.

Diários de Classe é um filme desigual, lá pelas tantas desapegado da escola como fio condutor, mas que atinge relevância no registro de momentos dramática e discursivamente fortes. Vânia luta contra a condenação, preocupada com os filhos na rua, acossada por problemas de ansiedade que não lhe deixam, sequer, dormir; Maria José participa de organizações, como os sindicatos, que auxiliam em seu processo de ciência da lancinante realidade permanente abaixo da superfície; e Tifany, por fim, ganha espaço para relatar ao espelho (e à câmera) sua senda de sofrimentos por não se conformar em ser Carlos, desejando assumir a identidade de gênero pela qual se reconhece notoriamente. Ainda que os realizadores fraquejem na urdidura dessa trama, tornando-a, assim, frouxa e à mercê da instabilidade, transmitem recados provenientes de uma ampla visão de mundo que não se contenta com platitudes e lugares-comuns. Pecam formalmente, mas ousam no conteúdo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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