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Crítica


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Sinopse

Algo acontece na América Central durante cinco dias ininterruptos. Desconectadas da tecnologia, pessoas de cinco países do continente terão de se apegar à amizade e ao amor para sobreviver.

Crítica

Dias de Luz é feito de histórias que acontecem simultaneamente em cinco países da América Central. Por conta de um fenômeno que nunca chega a ser esclarecido, há um blecaute de cinco dias. Nele, os personagens são privados da energia elétrica e, por conseguinte, de tudo que possui alguma natureza tecnológica. Imagine você ficar quase uma semana sem luz, internet, combustível, meios de comunicação, transportes e formas de entretenimento. Os realizadores não enfatizam o caos social, quando muito colocando na boca de alguém que as cidades estão uma bagunça e que os serviços essenciais estão inoperantes. Mas não testemunhamos isso. As tramas privilegiam acertos de contas que os protagonistas precisam ter em meio ao apagão insólito. O que une essas narrativas é a necessidade de aprender e/ou resolver alguma coisa para seguir adiante. Como convém a boa parte dos filmes-corais, algumas histórias acabam sobressaindo. A ambientada no Panamá, por exemplo, aborda levemente a questão da estratificação social. A contingência faz a empregada vivida por Zenith Gálvez demonstrar uma grandeza de espírito ausente na patroa que, por sua vez, não perde oportunidades de fazer valer sua posição social na hora de medir forças. Ainda que não mergulhe profundamente nos meandros da luta de classes, o cineasta Enrique Pérez Him constrói um conto que valoriza a solidariedade e a empatia.

Já o episódio costa-riquenho se debruça sobre os famigerados falsos profetas. De um lado, temos o pastor que não parece afinado com a própria fé. Do outro, sua filha pragmática que utiliza artimanhas eticamente questionáveis para fazer o templo ser financeiramente viável. Os dilemas são apresentados, mas não desenvolvidos ao ponto de estabelecer uma distância grave entre pensamentos diferentes. No fim das contas, a personagem de Maria Luisa Garita é subaproveitada, enquanto o idoso vivido por Patricio Arenas ganha a oportunidade da revelação que o transforma num peregrino e atualiza a sua relação com Deus. Como em outros fragmentos de Dias de Luz, este estabelece os conflitos e os amplifica pela ausência sentida da tecnologia. Além disso, desenha com relativa habilidade as dinâmicas que devem ser alteradas ou repensadas à redenção dos protagonistas, mas nem sempre é eficiente para consolidar as lições de moral derradeiras. O vago episódio guatemalteco traz um acidente aéreo como forma de forçar uma comunicação imediata entre realidades opostas. A ocasião obriga as pessoas a conversarem, a desenvolver elos momentâneos, mas a contribuição dessa situação ao conjunto é menos efetiva do que poderia/deveria. Aqui, o cineasta Sergio Ramirez usa e abusa das belas paisagens para evocar algo de etéreo provocando essas conexões atípicas.

A parte da Nicarágua mostra uma jovem prestes a comemorar seus 15 anos. Vivendo numa comunidade relativamente pobre, ela precisa lidar com a perda de dinheiro da avó peixeira durante o blecaute, a ausência dos pais, a falta de dinheiro para consumar a celebração tão aguardada e o ciúme diante do menino comprometido por quem é apaixonada. Se trata da parcela mais sem rodeios e reta de Dias de Luz, aquela em que o trajeto de aprendizados está claramente desenhado. Nele, a cineasta Glória Carrión Fonseca demarca as expectativas desproporcionais sendo gradativamente desfeitas para que a protagonista assimile suas valiosas lições. A personagem de Tamara Salas (um dos destaques do elenco do longa-metragem) tem de superar o apagão para crescer, nem que para isso seja necessário vencer várias adversidades. A menina vai saber o real valor da amizade, encarar desilusões amorosas, escutar os mais velhos, num trajeto cozinhado com um sabor ainda mais evidente de lição de moral. Já o episódio de El Salvador é focado na coragem de uma criança que, talvez por não saber exatamente quais são os perigos desse mundo (com ou sem tecnologia), percorre um caminho difícil para reencontrar a mãe que está internada no hospital após uma cirurgia arriscada. O diretor Júlio Lopez Fernandes aposta as suas fichas na relação entre a avó corajosa e esse neto não menos valente.

Por fim, a fração hondurenha traz o esmorecimento do amor entre marido e mulher. Ela tenta de todos os jeitos aproveitar o blecaute para se aproximar sexualmente dele. Porém, os apelos femininos acabam esbarrando numa apatia masculina aparentemente sem motivos. O cineasta Enrique Medrano elabora de modo simples as dificuldades do relacionamento e depois as resolve no discurso sentimentalista e explicativo do homem que até ali tinha balbuciado meia dúzia de palavras. Como em boa parte dos filmes-coral, Dias de Luz tem momentos mais inspirados do que outros, tramas mais bem delineadas do que outras e até mesmo mensagens melhor representadas do que outras. Esses personagens centro-americanos são unidos por alguma crise estabelecida ou que se intensifica quando o apagão inviabiliza o seguimento das rotinas. O longa-metragem bem que poderia ser feito pela sucessão dos curtas, mas é fácil compreender porque os idealizadores (os diretores gerais do projeto são Enrique Pérez Him e Mauro Borges Mora) resolveram dispor os episódios alternadamente. Essa decisão tem a ver com a valorização do encerramento em que tudo volta ao normal na superfície, mas não sem que haja mudanças internas profundas em todos. As mensagens são fáceis, beirando o óbvio, mas o filme tem seu encanto. E tudo fica visualmente mais bonito quando os tons de verde predominam.

Filme visto online no 12º Cinefantasy, em setembro de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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