Crítica
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Sinopse
Jean e Fabiana, um casal de namorados, cursam o último ano do ensino médio em uma pequena cidade do interior e vivem o típico dilema de deixar a cidade em busca de um novo destino ou ficar e continuar a história dos seus pais. Após passarem o dia juntos, Jean toma uma decisão inesperada e Fabiana desaparece. Dois anos depois Daniel e Alanis tentam entender o que está por trás do que aconteceu. Para eles essa busca se transforma numa chance de reinventar suas vidas.
Crítica
Baseado na obra Hoje Está um Dia Morto, do escritor André de Leones, o longa Dias Vazios navega entre as ondas de melancolia e desorientação que, não raramente, se abatem sobre a juventude, sendo muitas vezes amplificadas pelo fator geográfico. Essas limitações impostas pelo espaço, que geram a noção de impossibilidade de deslocamento e a ausência de perspectiva sobre o futuro, são exploradas com grande apuro formal pelo cineasta Robney Bruno Almeida em seu trabalho de estreia, configurando a força motriz da trama ambientada em Silvânia, interior de Goiás. Uma pequena cidade que transparece a influência exercida pelos dogmas católicos, cujo pilar central é a escola comandada pela freira vivida com a eficiência usual por Carla Ribas. É lá, sentado à mesa numa sala de aula vazia, que o espectador é apresentado a um dos protagonistas: Daniel (Arthur Ávila).
Solitário e introspectivo, ele passa seus dias enfadonhos ao lado da namorada, Alanis (Natália Dantas), a única que se mostra capaz de resgatá-lo esporadicamente da imersão em seus pensamentos e nas palavras que preenchem seu caderno. Palavras que compõem o rascunho de um livro que escreve sobre o casal Jean (Vinícius Queiróz), aluno do mesmo colégio que cometera suicídio dois anos antes, e Fabiana (Nayara Tavares), desaparecida após o trágico ocorrido. Na investigação do mistério acerca do episódio, Daniel parece encontrar uma razão para preencher sua existência marcada pelo tédio e pela carência afetiva, originada em grande parte pela ausência paterna e suprida parcialmente pela relação com Alanis – nas divagações, nos cigarros compartilhados, na descoberta do sexo. Finalizar o livro se torna, assim, sua missão, representando o único caminho para se libertar do vazio claustrofóbico da cidade interiorana.
A partir dessa busca, Almeida constrói um jogo de duplos no qual as trajetórias dos dois casais se confundem. Ao utilizar sua própria história para preencher as lacunas do quebra-cabeça de Jean e Fabiana, Daniel permite também que a fantasia invada seu cotidiano. Desta forma, gradativamente, a fronteira entre realidade e ficção da narrativa se torna igualmente turva. Para estabelecer essa dinâmica espelhada, o cineasta se vale da repetição de cenários, diálogos e situações – como o encontro na lanchonete ou a entrevista com a freira – simbolizando ao mesmo tempo o retrato geral da condição imutável de aprisionamento do ambiente e o retrato particular de Daniel, que vê seu destino se encaminhar para o mesmo de Jean. A sensação de inevitabilidade que surge desta constatação faz com que o desejo do personagem por descobrir a verdade sobre Fabiana ganhe contornos obsessivos, aumentando sensivelmente a tensão em torno dos possíveis desfechos de ambas as jornadas.
Demonstrando um rigoroso domínio cênico, Almeida capta – nos trajetos feitos a pé, de bicicleta ou carro – o sentimento de estagnação que emana das ruas de Silvânia, onde as únicas oportunidades de fuga se apresentam no breve e recorrente plano da estrada em movimento e na imagem do mar em seu viés alegórico mais notório – representação máxima de liberdade, de imprevisibilidade – algo que a sequência de Alanis na praia e os efeitos sonoros que abrem e fecham o longa reafirmam. A ubiquidade do elemento religioso também é bem trabalhada pelo diretor – no enquadramento em que a igreja parece acompanhar a caminhada de Jean e Fabiana, no plano que foca o crucifixo sobre a cama etc. Pois mudam os Papas, como mostram as diferentes fotos na parede da biblioteca, mas o estado das coisas permanece o mesmo. Contudo, ainda que evoque tais sentimentos, o ambiente não chega a ganhar uma gravidade opressora equivalente ao impacto percebido pelos jovens.
Por mais que as cores esmaecidas da fotografia denotem a apatia da vida dos personagens, esta não parece atingir um âmbito coletivo, mas sim, se restringir aos quatro protagonistas em seu isolamento. Sozinhos no quartos e salas de suas casas, o peso da angústia é, de fato, crescente, criando uma atmosfera densa que Almeida povoa com um acúmulo de símbolos e referências – os discos de Nirvana e Radiohead meticulosamente posicionados no chão ao redor dos corpos nus de Jean e Fabiana, a HQ de “A Morte do Superman” lida por Daniel – acabando por transformar a carga dramática em sobrecarga. Algo que demanda um alto comprometimento do jovem elenco, que se sai bem na maior parte do tempo, com destaque para Nayara Tavares/Fabiana. Os excessos, porém, pesam, incidindo especialmente sobre o ato final, gerando ainda certa artificialidade – nem sempre soa natural que personagens tão jovens debatam incessantemente questões existencialistas profundas – e levando Dias Vazios a se sufocar em sua própria abordagem trágica. Um resultado talvez fruto da ânsia criativa inerente a um trabalho de estreia, que ainda assim não deixa de ter sua força nem de apresentar evidentes virtudes.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 6 |
Francisco Carbone | 6 |
Cecilia Barroso | 6 |
Daniel Oliveira | 6 |
Diego Benevides | 6 |
Robledo Milani | 7 |
MÉDIA | 6.2 |
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