Sinopse
Dois irmãos são criados pelo pai no isolamento dos Andes peruanos. Mas, o que acontece com essas crianças quando esse provedor que troca sua arte na cidade por provisões simplesmente não acorda?
Crítica
Desde sua colonização, na metade do milênio passado, as Américas vivem espécie de sanfona de demarcação de territórios. O que era antes reinvidicação apenas dos povos originários - e que ainda persiste - se disseminou pelas mais variadas miscigenações que se estabeleceram no continente. Ora os espaços são cercados pelos poderosos da elite, ora conseguem, sob muito custo, serem ocupados por menos afortunados. O peruano Diógenes não conta a história de personagens fixados em algum destes polos, mas sim dos desesperados que se perderam no vácuo dos combates. Por si só, trata-se de aposta oxigenada.
O recorte do filme é o Peru das gestões de Alan García e Alberto Fujimori, entre os anos 1980 e 1990. Nesse período, o Sendero Luminoso, movimento guerrilheiro radical maoísta, preencheu lacunas sociais deixadas de lado por anos de governos que desconsideraram os anseios da classe trabalhadora. Para maior apreciação da obra, o espectador desfrutará melhor se tiver essa base pregressa em mãos. Isso porque pouco, ou quase nada, será oferecido pelo diretor Leonardo Barbuy, estreante no comando de longas. Não há norte, e é nesse voo cego que conhecemos o esquema proposto pelo cineasta: uma família composta por Diógenes (Jorge Pomacanchari), pai viúvo, e dois filhos, menina adolescente (Gisela Yupa) e garotinho (Cleiner Yupa) ainda em fase de básico aprendizado. O trio vive recluso na mata dos Andes peruanos temendo ser recolhido pelo Estado ou pela fúria dos rebeldes.
Assim como o homônimo filósofo grego da antiguidade, este Diógenes não possui mais do que o mínimo para sobreviver. Entretanto, não por opção, mas pelo temor de sair do abrigo e buscar mais do que possa transportar. Desta forma, cria os filhos da maneira mais rústica possível, regando desesperançoso futuro que eles possam trilhar. Mas se engana quem pensa que o personagem-título é quem nos carregará nesse trajeto. Ele apenas dará as cartas para que, em seguida, após intenso trauma, passe as rédeas deste microuniverso para os ingênuos. Nesse trilhos, abre-se espaço para maior joia do filme.
Além do já citado suporte, é necessário sensibilidade apurada para embarcar nesse percurso falado em quechua, idioma nativo peruano. Mas, após esse vencimento, somos convidados a acompanhar os mais diversos tipos de amadurecimento das crianças. Em especial a da moça interpretada por Gisela. O desabrochar de instintos, a coragem e, principalmente, seus olhos negros e intensos - acentuados pela fotografia de Mateo Guzmán e Musuk Nolte - são elementos cativantes, capazes de nos convencer a marchar junto a eles rumo ao desconhecido. Não há mais do que afazeres domésticos e seus desdobramentos no caminho de ambos, mas tudo se torna grande missão quando não existe rede de apoio.
Para além disso, somos apresentados a cenários imponentes e muita contemplação dos espaços. Estes, aliás, podem aborrecer, mesmo a minutagem não sendo extensa. No fim de tudo, Diógenes pode ser entediante para alguns, mas basta compreender pouco mais sobre o solo, que as edificações se firmarão com solidez. Afinal, em ambientes cada vez mais pretos ou brancos, é necessário também assimilar o que é cinza.
Filme visto durante a 17ª CineBH: Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte (2023).
Últimos artigos deVictor Hugo Furtado (Ver Tudo)
- 3 Margens :: Confira a lista completa de vencedores do festival da Tríplice Fronteira! - 21 de novembro de 2024
- Carolina Dieckmann :: Começam as filmagens de (Des)controle, novo filme com a atriz - 21 de novembro de 2024
- A Bachata do Biônico - 19 de novembro de 2024
Deixe um comentário