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Crítica


6

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1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Disco Ibiza Locomia: Na efervescente Espanha dos anos 1980, Xavi Font, um artista deslocado, juntamente com a sua amiga Lurdes Iribar e o seu amante Manolo Arjona, funda o grupo musical Loco Mía. Embora alcance o sucesso, também vivencia a sombria realidade da indústria.

Crítica

É frustrante quando um filme baseado em fatos começa reivindicando o seu direito à liberdade poética, mas acaba não fazendo muito com essa possibilidade de inventar a partir da realidade. Sem qualquer traço de inventividade, fica parecendo que o aviso “olha, sabemos que nem tudo é genuíno nessa nossa versão da história” é somente uma forma de proteção prévia contra espectadores (e críticos) ainda presos à ideia limitante de que o cinema possui algum saldo devedor com os acontecimentos reais. Disco Ibiza Locomia é a cinebiografia da boy band espanhola Locomia, uma das “coqueluches” (para usar um termo comum das antigas) da música dance hispano-americana dos anos 1980/1990. As apresentações dos rapazes de sexualidade ambígua eram marcadas por figurinos extravagantes, canções-chiclete, sex appeal e os famosos leques enormes que os integrantes balançavam coordenadamente enquanto faziam playback. Quem aí tem 40 anos ou mais, certamente, se lembra das apresentações deles em programas televisivos brasileiros, ocasiões sempre marcadas pela gritaria estridente de um público fanático pelos rapazes que começaram a carreira na paradisíaca Ibiza. Dirigido por Kike Maíllo, o longa-metragem é uma biografia cinematográfica bastante convencional e até comportada, embora mostre tensões, consumo recreativo de drogas ilícitas, conflitos de bastidores e brigas judiciais.

Há duas linhas de tempo em Disco Ibiza Locomia: o presente, no qual os ex-integrantes do grupo estão numa sala depondo em virtude do processo movido pelo antigo empresário deles, José Luis Gil (Alberto Ammann); e o passado, formado pela ilustração desses testemunhos. Para começo de conversa, há pouca tensão entre esses dois momentos. Por exemplo, o roteiro assinado por Marta-Libertad Castillo e Kike Maíllo não cria nenhum curto-circuito entre as versões, ou seja, tudo que qualquer um fala é tomado imediatamente como verdade absoluta, logo enfraquecendo o dispositivo que coloca passado e presente para dialogar. Reiterando sua convencionalidade, o filme constrói um percurso simples, marcado pelo início difícil num dos principais recantos hedonistas da Espanha, passando pelo triunfo inesperado, transitando por distúrbios causadores de rupturas e mágoas, até chegar à resolução. O personagem principal é Xavi Font (Jaime Lorente), a força criativa que funcionou como uma ignição ao surgimento do Locomia. O jovem aficionado por moda enfrentou obstáculos para vender as suas peças autorais e, mais tarde, teve de lidar com as particularidades dos colegas/amigos rumo ao topo das paradas de sucesso. O diretor se contenta em contar, de modo competente, uma história cheia de elementos, mas se nega a tomar qualquer assunto como princípio narrativo que norteie tudo.

Mesmo que seja um entretenimento interessante, Disco Ibiza Locomia é feito de vários “quase”, sobretudo pelos caminhos abertos e não trilhados. Ao mostrar a trajetória da banda, inclusive as divergências com o empresário, Kike Maíllo toca em temas importantes, como as regras não escritas da gananciosa indústria fonográfica sobre artistas homossexuais esconderem a sua orientação sexual em prol da amplitude das vendas de discos. Aliás, sobre o elemento sexual, essa cinebiografia é bem mais pudica do que o esperado, pois, embora chegue a mostrar nudez masculina frontal, nunca é verdadeiramente orientada por uma perspectiva tesuda/libertária. Assim, os personagens dizem que desejam recuperar a liberdade de se beijar em público, mas o enredo não dá ênfase a esse anseio por autonomia. Outro ponto somente citado, mas não aprofundado, é a crescente coleção de insatisfações internas: problemas de relacionamento, tendências manipuladores de uns e egóicas de outros. Amenizadas pela abordagem recreativa, essas questões de suma importância são restritas a peças de um quebra-cabeça cuja imagem final é a de uma ascensão meteórica barrada por múltiplos fatores. Pelo menos o filme escapa à visão maniqueísta do “nós contra eles”. O empresário não é desenhado como um vilão cartunesco e tampouco os integrantes do Locomia são vistos como vítimas de um desalmado.

Os melhores momentos de Disco Ibiza Locomia são anteriores ao fenômeno midiático, quando vemos a formação do grupo com pessoas afinadas em discurso e comportamento. Nesse ponto, destaca-se a interpretação de Jaime Lorente como o sujeito criativo e perseverante em torno do qual se juntaram outros homens ansiosos por exercer a sua sexualidade – muitas vezes reprimida fora do contexto da república instaurada em Ibiza. Quando é preciso mostrar a derrocada de Xavi como líder, Jaime tem um desempenho bem menos interessante, sobretudo, porque é restrito a ser o amargurado que enxerga a sua criação caminhando de mãos dadas com o novo guia. Outras questões superficialmente citadas são a disputa de Xavi com o irmão caçula frustrado e o gradativo rebaixamento de Lurdes (Blanca Suárez), a única mulher do Locomia. A individualidade dos integrantes também acaba diluída no desenvolvimento resumido dessa trajetória coletiva. Temos pouco da intimidade do rapaz intelectual incorporado tardiamente à boy band (o coadjuvante mais apagado). Então, a cinebiografia funciona bem como um apanhado geral dessa história de subida ao Olimpo do sucesso comercial e posterior derrocada. Voltando ao ponto destacado inicialmente neste texto, é uma pena que Kike Maíllo reivindique a liberdade poética como escudo, não como estratégia para tensionar as versões e questionar se é possível chegar a uma verdade, tendo em vista a multiplicidade de perspectivas, leituras e interesses envolvidos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Miguel Barbieri
7
MÉDIA
6.5

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