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Sinopse

Desde pequeno, Divaldo Pereira Franco se viu tendo que conviver com uma mediunidade fora do comum. Quando chegou à adolescência, o rapaz se mudou para Salvador decidido a usar seu dom para ajudar as pessoas. Sob a orientação dos espíritos, se tornou um dos médiuns mais importantes do Brasil.

Crítica

O cinema religioso tem se revelado uma corrente frequente no cenário cinematográfico brasileiro. Porém são poucos os que decidem se debruçar sobre as questões da fé de modo mais distanciado e objetivo. Isso se deve muito pelo fato de que esta é uma atividade cara – e sem uma indústria bem estabelecida, cada vez mais refém dos mandos e desmandos do poder público, o que sobra é se submeter àqueles que decidam investir seu dinheiro nesse negócio. Mais raro ainda, no entanto, são os que tomarão tal atitude sem esperar nada em troca. Pois é bem isso o que se encontra em Divaldo: O Mensageiro da Paz: um filme com uma agenda muito própria e específica. Ou seja, tornar a personalidade aqui biografada ainda mais conhecida e, com isso, fazer dessa obra um veículo para a propagação do seu exemplo, servindo, acima de tudo, como um elemento de propaganda e catequização.

Há, basicamente, dois tipos de cinebiografias possíveis: as que se debruçam sobre toda a vida do homenageado, ocupando-se dos aspectos mais gerais, indo do nascimento até a velhice, para com isso se pretender abrangente – quando, na realidade, tudo o que consegue é justamente o oposto, pois se revela genérica e superficial na maior parte das vezes; ou as que ajustam seu foco para um momento específico desta existência, fazendo deste exemplo um espelho para tudo o que possa ser depreendido a partir de um olhar tão particular. Um bom exemplo desse segundo caso é o recente Hebe: A Estrela do Brasil (2019), sobre a apresentadora Hebe Camargo. Pois é na ponta oposta destes dois extremos que se posiciona Divaldo: O Mensageiro da Paz. O filme escrito e dirigido por Clovis Mello (que antes havia feito o rodrigueano Ninguém Ama Ninguém Por Mais de Dois Anos, 2015) acompanha o pequeno Divaldo Pereira Franco desde a infância, em Feira de Santana, no interior da Bahia, até a mudança para Salvador, na adolescência, chegando à consagração do médium, ainda vivo aos 92 anos e reconhecido como uma das maiores autoridades do espiritismo em todo o mundo.

Como se percebe, é muito assunto para pouco filme – são menos de duas horas de duração. Nesse intervalo, Divaldo é interpretado por três atores diferentes: o menino João Bravo, o jovem Ghilherme Lobo e o adulto Bruno Garcia. Por mais que o trio não possua semelhança entre si, mais complicada se revela a tarefa de fazer deles um só diante do espectador pelo desequilíbrio de cada intérprete. Bravo é uma criança sem compromisso, e sua inexperiência fica evidente pelo despreparo que conduz sua presença na tela, seja na postura física ou modo de falar, demonstrando desconhecer a pressão que o personagem deveria estar atravessando. Quem melhor se aprofunda nisso é Lobo – não por acabo, o que passa mais tempo em cena. O protagonista do sensível Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) empresta uma empatia natural à figura que está construindo, e é por causa dele que o desenrolar dos acontecimentos não é mais claudicante aos não-iniciados. Essa desenvoltura, no entanto, se perde com a chegada de Bruno Garcia. Indeciso entre uma postura quase aérea – convencido de uma missão divina – e um viés mais sacerdotal, o ator deixa de lado o humano para mostrar apenas a imagem do santo, sem rasuras nem profundidades que permitiriam algum tipo de identificação.

Este, aliás, é o ponto mais problemático de Divaldo: O Mensageiro da Paz: o que se vê é um panfleto, e nunca o homem por trás da máscara. Em uma única passagem, Ghilherme Lobo tenta oferecer uma certa frustração pelo momento que está vivendo, sem emprego ou melhores perspectivas – “eu ajudo os outros, mas quem é que me ajuda”, chega a questionar. Essa poderia ser uma deixa para investigar os tropeços, as quedas e subidas, as retomadas de rumo e a determinação que o levou ao posto que hoje desfruta. Porém, o que se vê é um desperdício de oportunidade, pois logo tudo volta a ser uma jornada iluminada, tal como antes, e assim como será depois. A impressão é que Divaldo aceitou desde o começo o que lhe parecia predestinado, sem nunca se importar com o que teve que abrir mão nesse caminho. Alguns poderiam afirmar: “mas assim foi como se sucedeu”. É possível, claro. Mas este não é um documentário, muito menos uma reportagem. É, sim, uma obra de ficção. E, como tal, precisa ser crível. Diferente de um conto de fadas fantasioso, como insiste em se apresentar na maior parte do tempo.

Isso se confirma também pelo descuido do realizador em apontar para um dos maiores dons do protagonista: sua capacidade de se comunicar com os espíritos. O que se afirma é que Divaldo, desde muito pequeno, conseguiria conversar com os mortos, que a ele se apresentavam tal como se estivessem vivos. No entanto, estamos longe de uma interpretação dramática, como em O Sexto Sentido (1999), ou romântica, como em Ghost: Do Outro Lado da Vida (1990). Clovis Mello parece mais inspirado em comédias como Um Espírito Baixou em Mim (1984), com figuras surgindo a todo instante, da forma mais naturalista possível, e ao protagonista fazendo exigências, muitas vezes sem sequer se apresentarem dignamente. O descuido com essas interações é tamanho que, por vezes, ao invés de comover, a narrativa consegue apenas estimular o riso. Assim, falando aos já convertidos, sem se preocupar em aumentar a abrangência de sua audiência, Divaldo: O Mensageiro da Paz escorrega na pieguice de um melodrama que só deverá fazer sentido aos que partilham dessa crença de antemão, recusando-se a exercitar um olhar mais apurado sobre uma figura tão interessante, mas aqui apresentada de forma rasa e desprovida da maior parte dos atrativos que, ao invés de serem explorados a seu favor, acabam soterrados diante de um discurso piegas e redundante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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