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Sinopse

Miguel Moreira vai à Cabo Verde de seus antepassados em busca do pai que nunca conheceu. Nesta jornada, cheia de desvios e encontros, e ao mesmo tempo melancólica e instigante, ele busca suas origens, mas sempre é lembrado de que segue um estrangeiro seja onde for.

Crítica

Miguel é filho de pátria alguma. E mais do que não ter terra, também não sabe de onde vem. Criado pela avó em Lisboa, tem sua vida virada de cabeça para baixo quando, caminhando pela rua, é parado por uma desconhecida que lhe aborda dizendo: “nossa, como você é parecido com seu pai”. Sua reação, no entanto, é curiosa: “é mesmo? Tem uma foto dele aí para eu ver?”. Miguel nunca conheceu o homem que lhe deu vida. Anda sem rumo, vivendo de pequenos furtos e trabalhos de ocasião. Este encontro, no entanto, parece lhe dar uma missão: reencontrar os seus. Assim, deixa tudo para trás, compra uma passagem só de ida e parte rumo a Cabo Verde. Acredita que, somente sabendo de onde veio, poderá descobrir como seguir em frente. Essa jornada de descobertas, tão repleta de acertos quanto enganos, é o que o espectador encontra em Djon Africa, longa de João Miller Guerra e Filipa Reis.

Miguel se esconde pelos mais diversos pseudônimos. É músico, é bandido, é neto, é da rua, é da casa. Mas anseia, mais do que tudo, em ser também filho. Djon Africa é um dos seus tantos nomes, talvez aquele mais cheio de coragem e ousadia, que decide atravessar céus e mares quando tomado por uma certeza sem fim. Ele precisa se encontrar: a si, aos seus, aos que serão. Não sabe para onde vai, qual caminho seguir, que rumo tomar. Tem apenas ponto de partida. E a Europa, que tanto abriu suas portas aos que vinham de fora, há um bom tempo tem se esforçado para mantê-las fechadas. Não há mais espaço. E esse nem chega a ser o caso, pois trata-se de uma verdade do momento. É preciso ir, para, quem sabe, poder voltar.

Ao chegar na África, Miguel tem pouco mais do que um nome, uma ideia de família que pode ou não ser a sua. Os diretores foram sábios para, a partir de um episódio real – o diálogo descrito no primeiro parágrafo deste texto – criarem uma ficção a respeito, misturando referências coletadas com os atores e argumentos puramente imaginados. Há um roteiro a ser desenrolado, mas este, percebe-se, não é rígido e intransigente, pois abre espaço para improvisações, acasos e novas simetrias que eventualmente surgem em cena. Um bom exemplo disso é a relação que se desenvolve entre o protagonista e uma senhora idosa, que acaba por ocupar o lugar da avó distante, deixada longe e da qual sente falta como o único porto seguro que teve até então. O mundo, como bem se sabe, é circular, e não é surpresa se aquilo que abandonamos der um jeito e voltar a nos encontrar.

Miguel – ou Djon, talvez nem ele mesmo saiba ao certo – chega em Cabo Verde em busca daquilo que acredita ter perdido: uma família, uma origem, uma explicação para o seu ser, uma infância, um sentimento que, logo se dará conta, já passou e não terá como ser recuperado. Do jovem inconsequente que encontramos no começo deste trajeto, que não está preocupado com leis ou compromissos, mas é esperto o suficiente para não se meter em confusões mais graves, se verá vítima dos mesmos golpes que até pouco era ele mesmo que os aplicava. Pessoas entram e saem de sua vida, podendo durar uma carona, uma festa, uma noite, ou mais do que isso, dependendo dos mais diversos fatores. Ele é como o vento, acaba indo para onde a força maior o levar. Mas sabe, também, que não pode mais ficar parado: é preciso seguir em movimento, nem que seja para levá-lo de volta ao começo de tudo.

Guerra e Reis criam uma alegoria de forte simbologia. Djon Africa é o filme que foi possível – talvez não o ideal, ou mesmo aquele imaginado, mas, ainda assim, o melhor dentro de uma vontade não apenas de se fazer ouvir, mas também de perdurar como mensagem e lembrança de um tempo que já foi melhor, e que só poderá ser retomado no mesmo passo em que se abre mão de algo concreto em nome daquilo que nem mesmo explicação exige, mas, ainda assim, se faz presente e necessário. Retrato de tempos conturbados, coloca em evidência a insatisfação humana, o vazio do homem que busca lá fora aquilo que, muito provavelmente, já tenha no seu interior. Para isso, no entanto, é preciso saber olhar para dentro de si. E esta pode ser a mais árdua das tarefas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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