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Crítica


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Sinopse

Uma carta inesperada toca fundo nos sentimentos de uma juíza da Corte Suprema de Taiwan às vésperas de uma decisão importante.

Crítica

Embora o narrador Tim Wang, intérprete de um dos protagonistas de Do Outro Lado, mencione inicialmente receio quanto à comunicação por carta, “pela possível perda das nuances”, há uma clareza emocional tão potente em seu dizer que restam poucas dúvidas quanto às intenções. Ele é o que fala, mas não aparece. Chang Hsi Oh, que dá vida à sua mãe, é, no sentido contrário, a que aparece, mas não fala. Existe, então, um apurado senso de complementariedade nessa opção narrativa e, por conseguinte, uma aproximação profunda entre as figuras separadas pela dificuldade de compreender outrem em sua plenitude. Ambos perderam seus amores. Ela vela o túmulo do marido enquanto a trilha sonora pontua a beleza desse instante tão solene quanto reverencial. Ele, sequer, pôde comparecer ao velório do amado, impedido pelas torpes convenções moralistas.

O texto dá conta da relação cindida no passado. A mãe está em Taiwan. O filho no Brasil. O país, de certa forma, decepcionou o jovem taiwanês que acreditava no território latino-americano como abençoado pela possibilidade da convivência harmoniosa entre pessoas de orientações diferentes, sejam elas sexuais ou de qualquer ordem. Uma das coisas mais bonitas de Do Outro Lado é a abertura generosa do rapaz à compreensão do torvelinho de sensações atravessando os genitores quando lhes revelou ser homossexual. O contexto de Taiwan é sobremaneira repressivo, tanto que boa parte do curta-metragem trata exatamente de um processo em curso para tornar o país o primeiro da Ásia a reconhecer os direitos legais de casais homoafetivos. Há a vontade de entendimento, sem, contudo, anular-se, de estabelecer pontes, ainda que virtuais, para que se atinja uma tão almejada reaproximação, contudo sem concessões ao obscurantismo.

Do Outro Lado é sensível na conexão dos personagens pelos lugares que ambos ocupam na narrativa. Ele com sua tentativa de achegar-se, que passa por uma exposição corajosa de sentimentos, algo fundamentado na mencionada empatia, mas que concomitantemente não empalidece a sua posição firme. Ela com suas andanças cotidianas, dona de um semblante aparentemente reflexivo, que parece ruminar as palavras justapostas aos atos apresentados. O jogo cinematograficamente fértil amplia o alcance emocional desse acerto de contas destituído de agressividade, no qual as dores são encaradas, não camufladas por meias palavras. O rapaz exalta a participação política da mãe à valorização da mulher nas decisões da justiça. Assim, permite um elo essencial, esclarecendo que tem mais em comum com ela do que poderia se supor num primeiro ato.

Os diretores Bob Yang e Frederico Evaristo tratam de questões complexas com afetuosidade, para isso lançando mão de uma linguagem composta de planos estáticos e uma métrica singular na exposição da missiva. Visualmente, ela, em diversos momentos, parece suspensa pelas reverberações das palavras lidas. Ele, mesmo distante e se expressando por meio da escrita libertadora, respira mais longamente em determinadas passagens que provavelmente lhe calam fundo. É justamente nessa conexão encenada entre os fisicamente separados que reside a potência do curta-metragem, que fala calidamente de política e, igualmente, de vínculos, que aponta a um momento histórico de Taiwan, particularizando-o com o singelo, mas potente, estudo de uma relação familiar atravessada por toda sorte de tremores e amores.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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