Crítica
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Sinopse
Maria tem sua vida revirada quando um novo imigrante chega à cidade em que ela vive. Na medida em que se relaciona com o rapaz, um cenário de terrorismo começa a se desvelar na até então calma Toscana.
Crítica
Maria Linde (Krystyna Janda) é uma renomada escritora polonesa, recém-ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, que há anos vive na Toscana com sua família: o marido italiano Antonio (Antonio Catania), a filha Anna (Kasia Smutniak) e os dois netos. Já na casa dos 60 anos de idade, Maria passa por uma fase de transição em sua vida profissional – afirmando a um jornalista não ter mais nada a dizer ao mundo, por exemplo – e pessoal, revelando um desprendimento de certas amarras sociais e filtros morais, o que inclui expor mais abertamente suas opiniões e manter um relacionamento extraconjugal com Nazeer (Lorenzo de Moor), imigrante egípcio algumas décadas mais jovem. Da cena em que Maria vai ao porto comprar peixe fresco à festa em sua casa para celebrar a conquista do Nobel, o cineasta polonês Jacek Borcuch, a princípio, parece moldar Doce Entardecer na Toscana como uma crônica sobre a ruína da elite europeia, marcada pela ruptura de suas estruturas fundamentais – o casamento, a família, o pensamento intelectual.
Tal impressão é reforçada por sequências como o diálogo – carregado de um verniz erudito – acerca da instalação artística idealizada pelo amigo da escritora ou a dança ébria ao amanhecer dos convidados no jardim da mansão – à qual, talvez pela influência dos ares italianos, Borcuch imprime um tom ligeiramente felliniano. Contudo, ainda que essa temática nunca seja abandonada, a mesma acaba ganhando um viés mais político/social com a inserção da questão dos refugiados. Elemento que surge invadindo discretamente a festa pelo delegado da cidade (Vincent Riotta), que informa sobre a fuga de um grupo de imigrantes – que “talvez sejam perigosos” – de um campo na Lampedusa e que ganha corpo com o breve desaparecimento do neto de Maria após uma aposta feita com a irmã. Essa semente de paranoia instaurada germina por completo após a notícia de um atentado terrorista ocorrido em Roma e que vitimou dezenas de pessoas.
O cenário de terror e conflito se inflama ainda mais com o discurso feito pela protagonista ao receber uma homenagem da prefeitura local, onde não apenas revela o desejo de devolver o seu Nobel, como também provoca o choque generalizado ao comparar o ato terrorista ocorrido na capital italiana a uma obra de arte. Tal equivalência abre as portas para que Borcuch amplifique o debate sobre certa hipocrisia no tratamento humanitário oferecido pelas nações europeias ou mesmo sobre a cultura do medo. Ainda que amplo, esses debates acabam não sendo verdadeiramente aprofundados, com Borcuch não deixando claro se a provocação da fala de Maria seria plenamente consciente ou um ato impulsivo de uma personagem à procura de algum tipo de libertação e que, nessa busca, talvez não tenha calculado as consequências de sua declaração. Consequências que não tardam a surgir – o incêndio criminoso do restaurante de Nazeer, a agressão ao filho do delegado – num retrato do panorama atual de intolerância e crescente fascismo/extremismo que se abate não somente sobre o continente europeu.
Borcuch transita por todos esses tópicos ásperos e complexos procurando incorporá-los aos conflitos pessoais de Maria: o abalo em seu casamento, o questionamento de seu valor como artista, a relação de altos e baixos com a filha, etc. Esta tríade – arte, política e dramas familiares – já havia sido trabalhada pelo cineasta de modo mais direto e eficiente em Tudo Que eu Amo (2009), que acompanhava um grupo de jovens, alguns filhos de militares, formando uma banda de punk rock em meio à efervescência da Polônia do início dos anos 80. Aqui, tais elementos carecem de um tratamento mais denso, com a leveza que emana das paisagens bucólicas da Toscana, em cenas como as de Maria dirigindo seu conversível pela estrada, muitas vezes abrandando a potência da narrativa e a gravidade dos fatos. Todavia, se existe fragilidade nessa construção, Borcuch ainda apresenta algumas cartas na manga para tentar compensá-la.
O apuro visual é uma destas cartas, assim como a atuação de Krystyna Janda, oferecendo total credibilidade a sua Maria repleta de contrastes. Mas é mesmo na força do simbolismo de seu desfecho que Doce Entardecer na Toscana encontra a redenção, mesmo que não plena. A imagem da jaula, onde justamente aquela personagem que mais buscava a liberdade se vê encarcerada, além de retomar um questionamento levantado anteriormente – a jaula serve para proteger o exterior de quem está dentro dela ou seria justamente o contrário? – carrega uma variedade instigante de interpretações: de um mundo que se aprisiona pelo medo, de uma Europa ainda presa a certos conceitos arcaicos ou mesmo de um cerceamento da liberdade de expressão. Todas essas possibilidades são sugeridas, sem que Borcuch defina uma resposta, mas suscitando uma reflexão genuína, ancorada no poder imagético do belo e bem utilizado plano-sequência final.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Leonardo Ribeiro | 7 |
Francisco Carbone | 8 |
Alysson Oliveira | 8 |
MÉDIA | 7.7 |
E ainda tem a camada da mulher que tenta uma liberdade que, talvez, a idade agora a autorize mas, como sempre ...