Crítica
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Crítica
À primeira vista, a juventude parece ser o tema central das realizações da inglesa Andrea Arnold. Contudo, entre seus tópicos de interesse, há bem mais que a idade das protagonistas. A faixa etária serve apenas como veículo para os desdobramentos de outras análises e questionamentos, tais como o amadurecimento, a maternidade e a busca por estabilidade. Em Docinho da América – diga-se de passagem, um título nacional bem duvidoso – Arnold encara sua primeira produção ambientada nos Estados Unidos, mais precisamente nas estradas norte-americanas, para contar a história de Star (Sasha Lane), jovem que embarca numa jornada incerta, vendendo assinaturas de revistas de cidade em cidade. Junto dela, uma trupe jovial, liderada pela incisiva Krystal (Riley Keough).
É necessário destacar de antemão a preciosidade da performance de Sasha Lane. A atriz, estreante nos cinemas, coloca em cena uma Star introspectiva em meio a dias injustos. Ela cata restos no lixo de um supermercado para alimentar seus enteados, e convive com o namorado constantemente bêbado em casa, tendo rompantes agressivos. Cansada do ambiente que a oprime, a protagonista larga tudo e parte rumo à estrada após conhecer o excêntrico Jake (Shia LaBeouf). O impulso a leva para esse ambiente de pessoas conectadas pela necessidade de movimentar-se. Arnold se detém nisso, utilizando, em alguns momentos, um tom quase documental. Mesmo didática quanto à apresentação dos participantes da “caravana”, ela estabelece um contraponto entre a agitação predominante e a ligação gradativa dos coadjuvantes com Star, esta isolada e perdida em seus pensamentos, talvez pelo futuro incerto e a falta de estabilidade. É um grande acerto de Lane e Arnold não criar uma figura tão verborrágica, dando a ela ares de loba solitária.
A diretora desenvolve Docinho da América por meio de uma bela construção cinematográfica. A fotografia, como comentado anteriormente, em tom quase documental, se soma às atuações verossímeis, marcadas por muita improvisação, além da utilização de uma trilha sonora diegética, afinal, a naturalidade do filme, no que tange às canções, se dá exatamente pela presença delas no carro, na casa, no supermercado, ou seja, sendo, de fato, ouvidas pelos personagens. Todas essas músicas ainda refletem o espaço-tempo vivenciado. Não existe a busca por uma trilha sonora melodramática ou exageradamente intelectual.
Nesse terreno transitório de relações e acontecimentos, Star espelha muito de Mia, a protagonista de Aquário (2009), um dos filmes anteriores de Arnold, que parecia deslocada na própria realidade e se lançava à dança como válvula de escape, buscando a estabilidade que o ambiente familiar não trazia. A cumplicidade com um interesse amoroso também está presente em ambos os longas. Se anteriormente era o personagem de Michael Fassbender, aqui essa figura é Jake, criado a partir do ótimo desempenho de Shia LaBeouf. Entre sonhos esfacelados, ingenuidade e frustrações, Arnold nos coloca frente a uma juventude que, devido ao ambiente, se viu sem grandes oportunidades e agora se arrasta até possíveis saídas. Seja pelas estradas americanas ou no subúrbio de Essex, no Reino Unido.
A maternidade, outro ponto que passa pela ótica de Arnold, também é evocada através de Star. Deixando os enteados com a mãe biológica antes de sair pelo mundo, ela enxerga nas crianças encontradas no caminho os pequenos que ficaram para trás. Ao bater numa porta para vender assinaturas, encontra filhos largados pela mãe drogada noutro quarto. Ela estuda o ambiente e depois retorna com alimentos. Podemos concluir que não deixa de ser também um pouco do seu reflexo, de sua própria infância rompida precocemente. Com sua posição forte, quase inabalável, Star esconde uma suavidade, uma ingenuidade praticamente infantil. O impacto da direção e do roteiro de Docinho da América está no não dito, fora do âmbito verbal, concentrado nas expressões e nos gestos.
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