Crítica
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Sinopse
Jackson é um investigador particular nada convencional. Num de seus trabalhos, acaba transformando Holland, antes alvo, num sócio improvável diante da investigação da morte de uma estrela da indústria pornográfica.
Crítica
É noite na cidade de Los Angeles. Um garoto caminha pelo corredor de sua casa, folheando as páginas de uma revista masculina. Ele para por alguns instantes e aprecia a foto da bela estrela pornô Misty Mountains, quando um carro desgovernado sai da estrada e cai do alto de uma colina. O veículo atravessa o imóvel destruindo-o parcialmente até parar no quintal, onde se encontra justamente a modelo, seminua, estirada sobre os escombros na mesma pose do pôster da revista. Ela olha para o menino e antes de morrer diz: “Gostou do meu carro, garotão?”. Nesta cena de abertura, o diretor e roteirista Shane Black estabelece com perfeição todo o tom cômico absurdo e sarcástico de seu novo trabalho, Dois Caras Legais.
Assim como em sua estreia na direção, o ótimo Beijos e Tiros (2005), Black volta a brincar com o universo dos films noir e suas histórias detetivescas, apresentando uma predileção especial por mistérios extremamente intrincados, nos moldes dos romances de Elmore Leonard. Aqui a trama segue o atrapalhado detetive particular Holland March (Ryan Gosling), que investiga a morte de Misty Mountains a pedido da tia da atriz, pois a senhora, mesmo quase cega, afirma ter visto a sobrinha viva dois dias após o acidente. As pistas levam à jovem Amelia (Margaret Qualley) e fazem com que March cruze o caminho de Jackson Healy (Russell Crowe), uma espécie de “mensageiro” que se utiliza da força bruta, e que havia sido contratado pela garota para se livrar dos homens que a seguiam, incluindo March.
Black ambienta sua narrativa na década de 1970, período no qual houve um breve revival dos filmes do gênero, com títulos icônicos como Chinatown (1974) e O Perigoso Adeus (1973). Ainda que faça referências e homenageie obras como estas, a intenção do cineasta não é a de emular o clima das produções da época, mas, sim, explorar o potencial das características estéticas e culturais dos anos 1970 para a paródia. As roupas e penteados espalhafatosos, a música disco, a contracultura, as drogas, a liberação sexual, tudo se transforma em material para sátira nas mãos de Black, algo parecido com o visto em Vício Inerente (2015), porém sem a densidade ou a atmosfera lisérgica do trabalho de Paul Thomas Anderson. A sequência da festa na mansão do diretor pornô resume bem o espírito de Dois Caras Legais, juntando todos os elementos citados e temperando-os com um exagero proposital.
Os signos dos buddy cop movies – muitos deles criados pelo próprio Black, autor do roteiro de Máquina Mortífera (1987) – também ganham um tratamento paródico, através dos dois protagonistas opostos, mas nem tanto, que são obrigados a unir forças. A química da dupla é excelente e ambos embarcam na proposta do longa sem hesitar, especialmente Gosling, que visivelmente se diverte com a histeria e as situações muitas vezes patéticas que envolvem seu personagem. Crowe também se mostra à vontade na pele do brutamontes com princípios, e ainda no quesito elenco, a jovem Angourie Rice merece destaque como Holly, filha de March, mostrando uma dinâmica impecável com os atores principais e participando ativamente do desenrolar da ação. Algo que gera alguns momentos de comédia politicamente incorreta dos mais inspirados.
Num filme com tantas piadas disparadas a cada cena, é sempre difícil fazer com que todas funcionem – as constantes tiradas de March sobre Hitler têm seus altos e baixos, por exemplo – mas Black consegue atingir um saldo bastante positivo. O timing cômico dos diálogos é quase sempre certeiro e alguns temas recorrentes proporcionam momentos hilários, como as abelhas assassinas brasileiras ou tudo envolvendo a figura do presidente Richard Nixon, quando mais uma vez Black se utiliza muito bem do contexto histórico para ironizá-lo, fazendo ainda uma conexão com o mote sobre a indústria pornográfica – o Caso Watergate/Garganta Profunda. As citações cinéfilas também são bem inseridas, como a própria presença de Kim Basinger, que levou seu Oscar por um noir moderno, Los Angeles: Cidade Proibida (1997), co-estrelado por Crowe.
Há ainda espaço para alguns comentários sociais – sobre corrupção e manipulação política – e até para uma metáfora a respeito do poder da arte, mais especificamente do cinema, como ferramenta de denúncia. É claro que não existe um grande aprofundamento e tudo é tratado em chave irônica. Mas estes detalhes valorizam o trabalho sincero de Black, que nunca esconde a aura farsesca de Dois Caras Legais. A maneira como entrega o destino dos protagonistas a intervenções de sorte, propositalmente inconcebíveis, só reforça suas intenções, bem como as sequências de ação hiperbólicas e repletas de violência estilizada. Com um insano clímax, o diretor suplanta qualquer desconfiança do espectador em relação à inconsistência de sua trama conspiratória, bombardeando-o com doses explosivas de humor e adrenalina. E este é o efeito que permanece após o fim da projeção, o êxtase provocado pelo bom entretenimento.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 8 |
Ailton Monteiro | 5 |
Chico Fireman | 5 |
Edu Fernandes | 5 |
Marcelo Müller | 8 |
Daniel Oliveira | 4 |
Robledo Milani | 8 |
MÉDIA | 6.1 |
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