Crítica
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Sinopse
Grande atriz brasileira, Margot é casada com um escritor premiado que sofre com Alzheimer avançado. A vida de Margot sofre um revés ainda maior quando ela descobre que também é portadora da doença.
Crítica
A terceira idade – também chamada de “a melhor idade”, por mais irônico que este conceito possa soar para alguns – não costuma assumir o protagonismo com frequência no cinema. Muito se deve pela lógica de que a maioria do público que ainda frequenta salas de exibições é formada por espectadores jovens, quando não adolescentes. Mas há uma imensa fatia que consome esse tipo de produto em lugares alternativos, como centros de cultura, cineclubes e mesmo em casa, em plataformas de streaming ou mesmo por meio de mídia física. Não é somente a esses que Domingo à Noite se direciona, mas também. Afinal, no centro do drama aqui explorado está um casal no qual ambos já passaram há algum tempo dos 70 anos e está enfrentando problemas típicos da idade. Mas aqueles que ainda não estão nessa faixa etária e, apesar disso, por aqui se aventurarem, é possível que se deparem não apenas com um alerta, mas também com uma sensível história sobre vontades e sobrevivência, companheirismo e relacionamentos. É de se lamentar que nem tudo seja perfeito, no entanto, como algumas questionáveis opções do roteiro e da direção, sem esquecer do quão irregular o elenco central pode se mostrar em determinadas passagens.
Dirigido por André Bushatsky (cineasta acostumado com o universo do documentário, conhecido por títulos como A História do Homem Henry Sobel, 2014, e Brasileiríssima, 2022) a partir de um roteiro do estreante Bruno Gil Gonzalez (também produtor deste projeto), Domingo à Noite dota seus protagonistas de condições extraordinárias para falar de um assunto bastante comum. Margot e Antônio não são pessoas comuns, para começo de conversa. Ela é uma renomada atriz, uma figura popular e respeitada por fãs e admiradores, com livre trânsito entre cinema, teatro e televisão. Já ele é um dos mais notáveis autores do país, um escritor reconhecido no Brasil e no exterior. Gera curiosidade colocá-los em posição tão exclusiva, quando o mal que os abate não é em nada especial: o Alzheimer. Antônio já não consegue mais se auto gerenciar, muitas vezes não reconhecendo a companheira de tantas décadas, quanto mais a si mesmo. Ele é só uma sombra daquela figura tão importante, e quando colocado diante de uma máquina de escrever, rotina que por anos vivenciou, tudo o que consegue produzir são letras aleatórias, longe até de palavras compreensíveis.
Margot, portanto, assumiu para si a responsabilidade de cuidar do marido. Mas o que fazer quando a notícia que recebe é que ela também está começando a enfrentar a mesma doença, sendo apenas uma questão de meses até se encontrar em igual situação? O primeiro passo é convocar os filhos e informá-los desta trágica notícia. Francine e Guto são chamados, e por mais recorrentes que sejam seus protestos, seus afazeres cotidianos são colocados num segundo plano ao se verem obrigados a deixar de lado tais preocupações e debater a realidade que dessa vez se apresenta. A conversa se dá entre os quatro, por mais que um não tenha ciência do que se passa ao seu redor. As crianças, hoje adultos que já passaram dos 40, seguem agindo como na infância, discutindo superficialidades que levam a lugar nenhum, enquanto a mãe os observa com resignada relutância. O que precisa ser feito foi definido muito tempo antes, e por mais que tenha pensado em deste destino escapar, a conclusão é que é tarde demais para qualquer mudança de rumo.
O trunfo de Domingo à Noite é a escolha certeira de Marieta Severo para fazer de Margot uma pessoa não apenas dura, mas sensível às debilidades que vão se acumulando por seu caminho, tanto nela como naqueles que dela dependem, de uma forma ou de outra. Após alguns trabalhos questionáveis nos últimos anos, a vencedora dos festivais de Brasília, Gramado, Recife, Miami e do Prêmio Guarani tem aqui sua melhor oportunidade em muito tempo, lembrando performances complexas do início de sua carreira. Ela guarda tudo em si, e o pouco dito revela nuances de revolta e obstinação, tanto por reconhecer sua parcela de culpa pela ineficiência dos herdeiros, como também a necessidade de ir adiante com o compromisso assumido com seu companheiro de vida. Por sua parte, Zécarlos Machado entrega outro tipo difícil, permitindo pequenos relances de um homem gigante que se mostra apequenado pela condição que enfrenta. Os dois estão além do que Natália Lage e Johnnas Oliva conseguem alcançar, ela pelas ofertas ingratas da narrativa – a dinâmica com a mãe, que remete ao clássico Sonata de Outono (1978), de Ingmar Bergman, é por demais infeliz – e ele por simplesmente não estar à altura do talento dos demais. Por mais infantilizado que seja seu personagem, sua composição é por demais frágil, destoando do conjunto ao qual está inserido.
Bushatsky e Gonzalez optam por começar sua narrativa com o amanhecer, o abrir das janelas, o entrar da luz matinal e o início das pequenas tarefas diárias, como o levantar e o dispor do café da manhã. Por mais que a questão com a qual estes personagens são obrigados a lidar se desenvolva no decorrer de dias, e cheguem mesmo a abraçar comportamentos de muito antes – há até um rápido, e desnecessário, flashback com Hugo Bonemer e Karen Coelho como os protagonistas, um trecho que pouco (ou nada) agrega ao todo – a sensação fornecida pelo desenrolar das horas propõe uma interessante cronologia de tomada de posturas e decisões. Domingo à Noite conduz, na ficção e na audiência, até um óbvio fechar dos olhos, o momento da partida e do adeus. A despeito de algumas problemáticas passadas ao largo e de situações que mereciam maior aprofundamento, a estrutura acerta na analogia, gerando, ao seu término, um sentimento de dever cumprido. E quando não há mais para onde seguir, qualquer direção parece fazer sentido. Seja ele certo, ou não.
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