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Crítica


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Sinopse

Na Colômbia, um grupo de pequenos traficantes deseja crescer no mundo do crime. No entanto, mais do que lutar contra a polícia e outros cartéis, eles precisam acertar as diferenças entre eles. O líder Don Oscar, a esposa, a amante, o braço direito, o capanga, o motorista, o cuidador dos cachorros e outras figuras formam uma gangue condenada ao fracasso.

Crítica

Don Oscar (2020) passa bastante tempo decidindo que tipo de filme deseja ser. De acordo com a Netflix, trata-se de uma comédia, e pequenos indícios (piada com “cofrinhos” de homens gordos e com o milagre da multiplicação dos peixes) podem confirmar este caminho. No entanto, o projeto está longe do ritmo cômico esperado da montagem, da direção, das atuações e do roteiro. Os atores assumem o estilo típico de um drama criminal, encarnando com comprometimento sepulcral o papel de traficantes e gângsters. Outra possibilidade se encontraria no suspense tenso sobre narcotraficantes lutando contra policiais. Em se tratando de uma produção colombiana, o imaginário das drogas se torna alvo fácil para o estereótipo nacional. Ora, o diretor Carlos Moreno tampouco aposta nesse caminho: as cenas são dirigidas sem qualquer senso de urgência, em ritmo dilatado, focando-se em personagens perambulando a esmo entre o casarão e o bar, entre o escritório e uma casa modesta na periferia. A opção do drama social se encontra igualmente distante: os comentários a respeito de desigualdades são inexistentes.

Passada metade da produção, o espectador ainda pode se questionar sobre o real conflito. A versão brasileira elegeu Don Oscar (Christian Tappan) como personagem principal, o que está longe de ser uma escolha óbvia: nesta narrativa coral, dividida entre pelo menos doze figuras, o traficante é esquecido durante o terço central, e a trama se encaminha muito bem em sua ausência. O título original, Lavaperros, faz referência a um dos funcionários dele, Bobolitro (Ulises Gonzalez), responsável por cuidar dos cachorros. Embora este último estampe os cartazes colombianos, seria difícil sustentar a hipótese de seu protagonismo. Os personagens se tornam, no mínimo, inconsistentes: trata-se de um grupo de traficantes que jamais vemos traficando, policiais à paisana incapazes de propor qualquer plano contra o adversário, mulheres cogitando o aborto, ainda que não soubéssemos da gravidez, nem do relacionamento extraconjugal, além de um homem famosíssimo, chamado Mudo, de função nula na história. A projeção se inicia quando todas as ações estão em andamento, sem apresentar as origens e motivações dos personagens – os letreiros com nomes coloridos são insuficientes para construi-los.

A estrutura cambaleia entre diversos rostos e conflitos, incerta quanto à função prevista para cada sequência. Filmes com múltiplos personagens centrais se reforçam seja pelo cruzamento deles, seja pelo discurso que apresentam, uma vez reunidos via montagem. Ora, Don Oscar aparenta ter quinze subtramas diferentes, mas nenhuma trama central. As cenas não se contaminam nem interferem uma na outra, fruto de uma montagem caótica. Por exemplo: a gravidez da esposa de Oscar aparenta ser um grande problema, esquecido pela narrativa logo depois. Quando descobrem que estão sendo vigiados, os traficantes continuam no local onde se encontram, e sequer cogitam uma retaliação. O assassinato de um personagem importante é ignorado por todos ao redor. Televisores e rádios são ligados apenas para informar o espectador sobre alguma morte ou batida policial. Cenas de intuito possivelmente cômico, como a sugestão do homem negro que se torna “invisível” à noite e o extermínio banal de garotas de programa resultam eticamente contestáveis pela ausência de um ponto de vista definido.

Este é um problema grave desta produção: a falta de posicionamento. O diretor se diverte com essas figuras meio patéticas, porém desprovidas de (auto)ironia como válvula de escape. Ele evita veicular qualquer tese a respeito das drogas na Colômbia, das gangues, da dificuldade da polícia em combater o crime, dos dilemas entre ricos e pobres, entre mulheres e homens. Don Oscar e seus capangas aparentam viver numa bolha, pois não há compradores nem viciados em drogas no horizonte, e jamais presenciamos o esquema de venda. Moreno evoca um imaginário popular do narcotráfico (casarões, mulheres nuas, homens com cordões de ouro e armas em punho), fugindo à responsabilidade ética desta representação no que diz respeito ao contato com o real. O autor se contenta em reforçar o teor das interações: o pastor evangélico se converte numa figura demoníaca, a letargia de Oscar passa à paranoia delirante, o cuidador de cachorros manifesta um desejo próximo do sexual em relação aos animais. A gradação (intensificação ao limite da explosão) seria um ótimo recurso, caso conhecêssemos as motivações destes personagens.

No entanto, Oscar circula pelo casarão aleatoriamente, a pretensa estudante universitária desaparece, os policiais nunca obtêm qualquer informação relevante da tocaia, a busca incessante pela motocicleta penhorada é abandonada pelo roteiro. Este filme transborda de personagens e ideias, porém se mostra incapaz de desenvolvê-las, quanto mais cruzá-las rumo a um desfecho único. Neste mosaico saturado de informações, os pobres atores estão perdidos entre o drama e a comédi,a e os diálogos pendem ao tom risivelmente explicativo (o avô diz ao neto órfão: “Eu te mantive desde que a sua mãe morreu no nascimento”, como se o garoto não o soubesse). Já a trilha sonora e os recursos de pós-produção hesitam entre o pop, o sombrio e o jocoso. O resultado remete a uma destas produções problemáticas que passam por várias mãos e inúmeros tratamentos, desconfigurando a premissa original. Neste sentido, talvez o desfecho encontrado pelo cineasta fosse o único possível: ele simplesmente suspende a história, da maneira mais brusca e violenta possível. Moreno se desfaz de seus personagens com tal senso de banalidade que comprova a despreocupação com o material humano (caso esta inconsequência fosse inserida numa fábula crítica, o resultado seria bem diferente). Quando Don Oscar se encerra, o filme aparenta nunca ter começado de fato.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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