Crítica
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Sinopse
Dona Lurdes precisa superar a síndrome do ninho vazio depois da saída dos filhos e dos netos de sua casa. Desfrutando de uma liberdade inédita, ela precisa se reinventar para aproveitar a vida.
Crítica
Por mais curioso que possa parecer, a ideia de propor um tipo de continuidade a um fenômeno televisivo em um outro meio – no caso, o cinema – não é nada nova. E se isso se tornou praxe em Hollywood, no Brasil aos poucos os realizadores locais tem tomado gosto por este caminho. Desde Beto Rockfeller (1970) – baseado no personagem de Luis Gustavo visto antes na novela de mesmo nome, exibida dois anos antes – até os mais recentes Giovanni Improtta (2013) – tipo que José Wilker havia encarnado da novela Senhora do Destino (2004-2005) – e Crô: O Filme (2013) – no qual Marcelo Serrado dava uma sobrevida à figura afetada vivida antes em Fina Estampa (2011-2012), e que chegou inclusive a ganhar a continuação Crô em Família (2018) – várias foram as criações vistas antes na telinha que ameaçaram posteriormente uma releitura em alto estilo na sala escura. Poucas, no entanto, foram as que, de fato, vingaram. Por isso, a estreia de Dona Lurdes: O Filme, merece ser comemorada. Por outro lado, gera constrangimento a abordagem tão simplista dedicada a uma figura como essa, emblemática e merecedora de um olhar mais denso e elaborado, distorcendo até mesmo a identidade antes verificada na televisão.
Defendida por Regina Casé, Dona Lurdes foi a heroína do folhetim Amor de Mãe (2019-2021), um drama violento sobre uma retirante nordestina que tinha um dos seus filhos vendido pelo próprio marido e passava o restante da trama enfrentando uma série de adversidades, de sequestro, roubo, acusações e até encarceramento, para recuperar seu menino, agora já um homem. O filme assinado por Cristiano Marques (um dos responsáveis também pela citada telenovela), por sua vez, é quase uma comédia romântica, uma versão leve e descontraída dessa mulher que, após tanto sofrimento, parece ter conquistado o direito a um merecido descanso. É ainda uma história contemporânea, e se por um lado ganha pontos ao abordar um tema recorrente na vida urbana – a síndrome do “ninho vazio”, ou seja, quando os filhos saem de casa e os pais ficam para trás, sem saber como preencher seus dias – por outro também enfraquece essa motivação por meio de uma abordagem óbvia: seus problemas só serão resolvidos diante da descoberta de um novo amor.
É visível o prazer de Casé em voltar a uma personagem que lhe é nitidamente confortável. Presença bissexta no ambiente ficcional – por anos se ocupou como apresentadora de programas de auditório e variedades – Regina se habituou a entregar figuras fortes, capazes de mover mundos e fundos, como a vilã Zoé (Todas as Flores, 2022) ou a empregada Val (Que Horas Ela Volta?, 2015). A Dona Lurdes que o Brasil conheceu cinco anos atrás se encaixava bem nesse estereótipo, e lhe rendeu mais um tipo emblemático. A que surge agora, no entanto, dá a impressão de ter esquecido – ou superado? – muito do que viveu antes, mostrando-se nervosa pela casa vazia, preocupada com as reações dos filhos e incomodada com qualquer ruído que altere sua rotina, como a chegada de uma vizinha ou as tentativas de aproximação de um colega da aula de dança (participações de Arlete Salles e de Evandro Mesquita, respectivamente, os acréscimos de maior destaque ao elenco).
Para fortalecer a ligação entre novela e filme, uma vez que a identidade da protagonista foi distorcida, foram convocados os filhos, aqueles que guiaram a maior parte de suas ações ao longo de quase duas centenas de capítulos. Sendo assim, Thiago Martins, Nanda Costa, Chay Suede, Juliano Cazarré e Jéssica Ellen marcam presença não mais do que desfilando em cena (Martins e Chay até aparecem um pouco mais, mas não a ponto de fazer uma diferença significativa). A busca por essa ponte entre uma incursão e outra é tamanha que até Humberto Carrão – o filho que nunca foi – é chamado, surgindo de modo atabalhoado e de uma maneira que só fará sentido àqueles que já conheciam os personagens (os demais, recém-chegados, provavelmente ficarão sem entender nada). O que se percebe, portanto, é que o amor materno tão explorado antes não necessariamente desapareceu, mas se transformou. Ao mesmo tempo, essa estrutura torna o conjunto refém de um conhecimento prévio, limitando seu alcance diante de uma nova audiência – são formatos distintos, afinal.
Por mais que esteja no cinema, este é um produto que deverá encontrar seu destino ao percorrer dimensões comedidas, seja numa plataforma de streaming ou em exibições na tevê aberta. É por este olhar próximo que a dinâmica entre os personagens ganha força. Porém, não está no desenrolar dessa nova forma de disposição familiar (agora distanciada, ainda que junta) o cerne da trama. Menos ainda no surgimento de um envolvimento amoroso na terceira idade. Curiosamente, Casé e Mesquita, por mais que tenham iniciado suas carreiras juntos, na trupe teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, no final dos anos 1970, não haviam feito par romântico até então – e há um motivo para isso. Enfim, o que se verifica é que os melhores momentos estão no começo, quando se estabelece essa relação de amor e ódio com Zuleide (Salles), que se muda para a casa ao lado e irá ensinar a protagonista que a vida não precisa acabar só por ter ficado sozinha, e que ainda há muito a ser feito – e sonhado. É uma pena que o roteiro escrito por Claudio Torres Gonzaga em parceria com Manuela Dias, autora do livro no qual essa história se baseia, não invista mais nessa troca de perspectivas, reservando a ela apenas a condição de ponto de partida, e não de percurso completo. Dona Lurdes, O Filme pode até concentrar seus esforços como obra independente, mas é por demais carente de suas origens – e será depois, quando voltar para onde nunca deveria ter saído, que deverá, enfim, estar em casa.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 5 |
Alysson Oliveira | 2 |
MÉDIA | 1 |
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