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Sinopse

Donnie é um jovem que não consegue se encaixar. Para piorar, tem visões de um coelho bizarro que o encoraja a fazer coisas destrutivas. Ele recebe a profecia de que o mundo vai acabar.

Crítica

Donnie Darko (Jake Gyllenhaal) é um adolescente problemático e, como tal, toma pílulas, remédios para aliviar sua estranheza diante do mundo. O sonambulismo o faz escapar de um acidente bastante improvável, aliás, escapar da morte certa quando uma turbina de avião, vinda sabe-se lá de onde, destrói seu quarto no meio da noite. Donnie começa a ter visões, no que pensamos, em princípio, ser agravamento de seu estado patológico. Frank, o amigo imaginário, homem evidentemente fantasiado de coelho bizarro, logo anuncia o fim do mundo para dali 28 dias 06 horas 42 minutos e 12 segundos. Donnie é o único que sabe a respeito da data prevista para o fim, mas isso não parece alarmá-lo mais do que as questões cotidianas, do que as pequenas e grandes farsas que constroem o dia a dia.

Donnie Darko adquiriu status com o passar do anos. Suas conjunturas envolvendo viagens no tempo foram, desde a estreia, o viés principal da maioria das análises, muitas delas realmente empenhadas em achar saídas para determinados labirintos, em solucionar alguns enigmas que soam nebulosos mesmo quando acaba a sessão. Isso tudo criou um verdadeiro culto em torno da primeira realização de Richard Kelly, o que, por conseguinte, fez do cineasta alvo da atenção dos agora seus fãs. Entretanto, não parece que o filme deva ser celebrado necessariamente por suas áreas cinzentas, mas sim, e sobretudo, pelas relações que estabelece claramente com o intuito de fazer emergir um painel crítico das enfermidades que minam a saúde da sociedade norte-americana.

O filme também possui diversas observações de cunho político, como visto, por exemplo, na conversa à mesa de jantar dos Darko, logo no início, na qual a irmã de Donnie abre seu voto ao candidato menos conservador à presidência, ocasião em que é repreendida pelo pai, um eleitor convicto do então postulante ao cargo máximo da nação, George Bush (pai). Mesmo assim, Kelly não pinta os pais do protagonista como reacionários empedernidos ou algo parecido, da mesma maneira que evita saturar demais os outros personagens alinhados a uma política (partidária e de vida) menos progressista, fugindo, assim, de reduzi-los a arquétipos. Ao invés disso, elementos mais sutis conectam essas mesmas figuras a outras convicções retrógradas, como, por exemplo, o porte de armas e a campanha contra uma linha educativa mais abrangente, esta considerada perigosa.

A escola é o principal pilar dessa sociedade que o filme critica. O ambiente onde se deveria fomentar educação e formação da cidadania é, em Donnie Darko, um ninho viciado de professores cuja pedagogia antiquada reduz o potencial individual dos alunos, além de berço para charlatães e suas teses de autoajuda que “lobotomizam” o senso crítico dos ouvintes com soluções fáceis para os dilemas da vida. Não à toa, incitado por Frank, Donnie passa a vandalizar a escola constantemente, atingindo aqueles que professam a hipocrisia institucionalizada, ou seja, destruindo como forma de criação. O protagonista passa, dessa maneira e por meio da relação com o coelho gigante, ele que pode ser tanto uma projeção do subconsciente quanto um literal viajante do tempo, a castigar as forças responsáveis por tornar a coletividade uma massa amorfa de gente sem pensamento próprio, vítimas circunstanciais da apatia.

Donnie é uma espécie de profeta, vislumbra o futuro ao passo que estuda os meandros do destino, cortejando a ciência como explicação de fenômenos antirreligiosos. Por outro lado, volta e meia se fala no filme a respeito da “obra de Deus”, certa predeterminação dos caminhos que Donnie chega a ver materializada por espectros saídos do peito das pessoas, manifestação que gera um questionamento interessante: se vemos os trajetos a nós determinados (por uma divindade?), teríamos de segui-los inexoravelmente, ou seria justo essa a chave para subvertê-los? Ainda na seara religiosa, Donnie pode ser entendido como alusão a Jesus Cristo, pois ao tomar conhecimento de seu destino ele aceita o sacrifício para “purificar” o pecado dos demais, como vemos no fim.

Misturando, então, conceitos científicos e parábolas religiosas, Donnie Darko é um grande filme, também por sua atmosfera intangível de mistério. A utilização de uma trilha sonora repleta de músicas conhecidas de outrora ajuda a ambientar a trama no passado, contudo sem com isso datar suas ressonâncias. O subúrbio americano do longa se aproxima conceitualmente dos utilizados por David Lynch, no sentido de também guardar em sua aparente rotina pacata uma obscuridade pronta para emergir violentamente, algo quase despercebido numa metrópole já caótica por natureza. Ali, onde o coelho gigante é uma espécie de antevisão da morte, em princípio combatida farmacológica e terapeuticamente, Donnie é o único realmente lúcido, a despeito de suas esquisitices. Por enxergar além, ele é “escolhido” (por quem?) para evitar a dor dos outros, mesmo à custa da sua.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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