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Sinopse

Depois de descobrir que é portador de uma doença terminal, Max decide viver todos os anos que perderá com sua filha adolescente Wally de uma vez, no tempo que ainda lhe resta com ela. É então que os dois caem na estrada.

Crítica

Famílias tendo que lidar com doenças terminais constitui um tema que tem se tornado tão frequente na dramaturgia que é quase um gênero à parte. Histórias que se desenvolvem ao longo de uma viagem, então, possuem até denominação: road movies, ou seja, filmes de estrada. Esses dois elementos estão combinados em Não Me Diga Adeus, longa dirigido pela também escritora e atriz Hannah Marks. Ainda que tenha participado – e sido premiada – de festivais de prestígio como SXSW e Tribeca com seus dois longas anteriores, é com esse que a realizadora alcança seu melhor resultado, alternando com segurança entre o drama de descobertas transformadoras e a necessidade da troca através de uma comunicação mais efetiva entre pai e filha, partes de um todo que se confirma sólido não apenas pela condução assertiva que deixa impressa na tela a certeza para onde se dirige, mas também pelo trabalho delicado, ainda que consistente, de seus dois protagonistas.

Max Park (John Cho) é pai da adolescente Wally (Mia Isaac, em sua estreia no formato), e os dois moram sozinhos, mas não é uma relação provida por ressentimentos. Não apenas se dão bem, como cada um, ao menos a seu modo, está tranquilo com sua forma de levar as coisas. Ele possui uma namorada – ou quase isso, está mais para uma parceira de sexo eventual – e ambos se encontram ocasionalmente, sem cobranças nem grandes planejamentos, mas com sintonia e carinho um pelo outro. Já a garota está atravessando por uma fase de descobertas típica da idade, flertando com um possível primeiro amor, ao mesmo tempo em que compartilha dúvidas e inseguranças com a melhor amiga. É um cenário saudável, mas de tênue equilíbrio. Aponta, portanto, para uma inevitável mudança, que pode ocorrer pelo mais leve balançar das folhas no jardim (figura de expressão, é claro). Uma reviravolta que, enfim, acontece quando ele faz uma consulta de rotina no médico.

Diante de notícia de que possui um câncer agressivo, e cujas chances de sobrevivência diante uma cirurgia invasiva são mínimas, eis que Max é colocado frente a uma encruzilhada: como preparar a filha para o futuro? Sua maior preocupação se deve ao fato de se tratar de uma adolescente, alguém ainda em formação, que necessita de guia e ordem, uma rotina estável e os conselhos certos na hora apropriada. Pensar naquela com quem mais frequentemente divide a cama é o passo lógico a ser feito, mas uma segunda análise mostra o quão incerta seria tal aposta. Resta, portanto, dar um passo atrás e voltar à origem deles. E será essa a decisão que colocarão os dois em movimento: partir em busca da mãe da jovem, a ex-mulher que há muito os deixou, mas que, mesmo diante desse abandono, possui sua parcela de responsabilidade e envolvimento com aquela família. É uma missão mais dele do que da menina, mas a qual ambos terão que empreender juntos, quer queiram, ou não.

A partir do instante em que o pai opta por manter a filha alheia a sua condição recém descoberta, é só uma questão de tempo para o espectador até que a verdade seja revelada – afinal, como diz o ditado, mentira tem perna curta, ainda mais quando sua data de expiração está posta em cena para atender a uma demanda dramática. É quase como o percorrer de uma cartilha: o mistério virá à tona exatamente após o momento em que a conexão entre eles se mostrará mais próxima, testando os limites dessa relação paternal. Ela se sentirá traída, ele terá suas razões para tanto. Mas o passar dos dias urge, e não há desculpas que permitam mais um afastamento. John Cho, ator que tem se mostrado cada vez mais versátil, visto os tipos que defendeu em produções como Columbus (2017) e Buscando...(2018), entregando tipos que se diferenciavam mais pelos detalhes do que por uma caracterização externa, oferece aqui mais uma composição que segue a mesma linha, tanto na proposta visual como, e principalmente, pela profundidade que empresta a um tipo marcado por uma despedida eminente, por mais contrário a essa que se mostre.

É pela construção desses laços afetivos, e menos pelas reviravoltas do roteiro, muitas facilmente antecipadas pelo espectador mais atento, que Não Me Diga Adeus acaba mostrando sua força. Acrescente-se a isso um forte olhar voltado a privilegiar uma bem-vinda diversidade étnica, e eis reunido um conjunto que não pode – ou, ao menos, não merece – ser ignorado. Hannah Marks, assim, confirma um talento em não se preocupar com uma nova – e desnecessária – reinvenção da roda, mas, sim, em se ater ao básico, ocupando-se com o elementos mais importantes do desenrolar de uma boa história. São personagens bem elaborados, situações que justificam tanto o afastar como suas uniões, e um desfecho que, se por um lado não consegue desviar do óbvio, ao menos deixa implícito uma vontade de não apenas reproduzir o que desde o início de sua trama vem sendo reiterado, oferecendo uma variante não inesperada, mas refrescante o bastante para valer o interesse. Parece pouco, mas, em alguns casos – e esse, definitivamente, é um deles – já está de bom tamanho.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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