Dora ou As Neuroses Sexuais de Nossos Pais
Crítica
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Sinopse
Dora tem 18 anos e encontra-se repleta de curiosidade acerca do mundo a sua volta. Sua mãe Kristin recentemente a tirou de seu medicamento sedativo. Nesse novo recomeço, a jovem se joga em tudo que a vida oferece, e isso inclui uma relação inconseqüente com um homem mais velho. Enquanto Kristin tenta ter outra criança, Dora se descobre grávida.
Crítica
Dora é uma garota como tantas outras – ou quase isso. Já completou dezoito anos, e está ansiosa para dar voos maiores do que aqueles permitidos pela constante supervisão dos pais. Quer sair sozinha, encontrar amigas e, principalmente, flertar com os rapazes. Essa, aliás, é a maior curiosidade dela: afinal, o que é o sexo? Duas questões podem tornar esse processo um tanto complicado, no entanto. Primeiro, Dora é uma jovem portadora de um certo grau de retardo mental, e nem sempre tem consciência das consequências dos seus atos, o que implica em decisões muitas vezes arriscadas. E, segundo, estamos na Alemanha, país europeu do Primeiro Mundo que privilegia muito as liberdades pessoais de cada indivíduo – inclusive destes considerados especiais. É neste cenário que se instaura o drama deDora ou As Neuroses Sexuais de Nossos Pais. Afinal, como libertar aquele que não tem como se proteger, por mais que essa seja a coisa certa a ser feita?
Kristin (Jenny Schily, de A Gatinha Esquisita, 2013) e Felix (Urs Jucker, de Vitus, 2006) são um casal desgastado pelo tempo. Dora (Victoria Schulz, em interpretação arrebatadora – afinal, a atriz não possui a mesma condição da personagem) é a filha única, e desde seu nascimento toda a preocupação deles sempre esteve voltada para ela. Não sabem o que fazer quando sozinhos – agora que a menina está, ao menos de acordo com a lei, apta a sair de casa sozinha – e nem sempre concordam em como agir em relação à garota. Ao interromperem o tratamento médico dela, abrem espaço para uma nova realidade que é tanto nova para eles quanto para a jovem. Ele é mais relaxado e acredita que a nova situação será para melhor. Ela não consegue ser tão positiva, e seu nervosismo e temores só aumentarão com o tempo. O casamento deles está por um fio, e talvez tenha que ser justamente Dora, na suas ações despreocupadas que seguem apenas um instinto primário, que irá determinar qual será o próximo passo para a família.
Essa situação começa a se formar quando Dora – que trabalha como ajudante na feira local – decide seguir um homem por quem se sente atraída. Vai atrás dele, e assim os dois irão parar em um banheiro público masculino. Ele não se importa muito com o que vê e nem com quem ela é – naquele lugar escondido, quer apenas o prazer rápido e imediato. E o resultado é um estupro quase desapercebido – afinal, a vítima não percebe o que aconteceu. Ela apenas gostou do episódio, e mesmo após os alertas dos pais, médicos e policiais que acabam se envolvendo com o incidente após se darem conta do ocorrido, estará determinada a ter mais daquilo. Algo que, iremos perceber, não será tão difícil de conseguir.
Este homem, interpretado com coragem e desprendimento por Lars Eidinger (Acima das Nuvens, 2014), é talvez o mais interessante do filme. Ele sabe o que está acontecendo, e não se preocupa em desafiar o que seria ‘normal’. Dora quer transar com ele? Ele também quer transar com ela. Lhe importa a debilidade dela? Muito pouco – ou, melhor, quase nada. As ameaças dos pais dela pouco lhe afetam – afinal, estamos falando de uma maior de idade em um país em que é encarada como dona de suas próprias decisões, independente de sua condição mental. Aos poucos, no entanto, esta postura irá sendo alterada – o que, inevitavelmente, tira um pouco do interesse que poderíamos ter pelo filme. O personagem dele é mais complexo do que o longa em si. E o que é feito dele em sua conclusão chega a ser embaraçoso e vai contra o que havia sido visto até então.
No final, Dora ou As Neuroses Sexuais de Nossos Pais tem mais a ver com a Dora em questão e com a discussão sobre até que ponto uma sociedade dita madura e avançada está pronta para lidar com cidadãos como ela e menos com as questões sexuais de adultos em crise. A falta de preparo dos pais, do amante fugidio e, principalmente, das instituições que deveriam saber orientar como proceder em casos assim apenas serve para revelar o quão frágil podem ser determinadas conquistas. Afinal, nem sempre zelo em excesso é pernicioso, da mesma forma em que liberdade demais também não significa o melhor a ser feito.
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