float(0) float(0) int(0)

Crítica


7

Leitores


Onde Assistir

Sinopse

Mais um aniversário da Revolução Russa está sendo comemorado em 1971, mas o país não apresenta progresso político, econômico ou cultural. Os manuscritos do judeu Sergei Dovlatov são rejeitados regularmente pela mídia oficial por ter uma visão indesejada na União Soviética.

Crítica

Ao invés de tomar um caminho mais convencional às cinebiografias, o diretor Aleksey German decidiu fazer de Sergei Dovlatov (Milan Maric) uma espécie de catalisador da situação político-social da União Soviética nos anos 70. A opção é justificável, pois o grande literato não obteve em vida o sucesso que teria depois de morto, quando considerado um dos maiores autores russos do século XX. E tal descompasso aconteceu exatamente por obra da conjuntura que sua presença ajuda a expor em Dovlatov. A trama do longa-metragem transcorre em seis dias, nos quais o principal não é propriamente a construção de uma personalidade, mas a demonstração da inadequação numa coletividade regida por sistemas de valores avessos a premissas como liberdade e criatividade. A prosa e a poesia desse homem das letras fora recusada inúmeras vezes por conta de sua suposta incapacidade de gerar coisas positivas e felizes, porque seu ímpeto criador era estimulado pela realidade que os governantes da época teimavam em esconder do povo.

Dovlatov possui uma narrativa sóbria, com tintas clássicas, planos duradouros e uma observação frontal dos acontecimentos. Todavia, esse estilo estimula observações ferinas acerca do sistema de controle que relegava artistas inconformados à marginalidade. As deambulações do protagonista dizem menos respeito à condição dele, e mais às circunstâncias que o tornaram outro cuja excepcionalidade foi entrevada em favor da “versão oficial” do cotidiano da União Soviética. A fotografia puxando ao sépia serve para aludir ao passado, como auxiliar da direção de arte que dá conta de remontar à década em que o enredo acontece. Os movimentos lentos e compassados de câmera evidenciam um intento de proximidade com pessoas constantemente tolhidas e homogeneizadas. Ao largo da experiência do escritor que não consegue êxito, sequer na função de redator de um jornal de fábrica, vemos diversas pessoas em estado parecido, o que vai delineando um painel amargo.

Depõe contra Dovlatov seu caráter reiterativo, a ausência de frescor derivado do acúmulo de eventos parecidos. Mesmo assim, o filme sai-se bem ao desenhar uma União Soviética que achatava aspirações sofisticadas em prol de uma ideologia restrita. São emblemáticos o encontro com o poeta que trabalha numa obra de metrô e a subsequente reação de todos, no local, à descoberta de cadáveres infantis decorrentes dos eventos da Segunda Guerra Mundial. Pintores e escritores convertidos em contrabandistas são apresentados como efeito colateral irremediável da penúria à qual foram atirados os que não quiseram se submeter ao regime, decididos a manter sua integridade como cidadãos. Mais que qualquer destaque do elenco, embora Milan Maric dê conta do recado ao encarnar esse mito torturado pelo entorno burocrata e passível de corrupção, o sobressalente aqui é a constatação do cotidiano duro, marcado por uma aridez institucionalizada.

A busca do protagonista pelo dinheiro necessário à compra de uma boneca à filha é apenas pretexto para ele continuar caminhando, a fim de que siga em frente, acumulando experiências em contato com a gente que vive nesse mesmo universo de desalento. O artista é visto com o um ser iluminado, então humilhado, sobretudo, por cair diante da ignorância de tecnocratas sem um pingo de sensibilidade. Dovlatov olha para o passado com melancolia, abertamente lamentando as dificuldades pelas quais gênios passaram, simplesmente, para sobreviver. A despeito de uma lentidão excessiva, constatada ocasionalmente, a produção dirigida Aleksey German tem força dramática suficiente para fazer de Sergei Dovlatov um exemplo da miserabilidade de valores da Rússia na década de 70, em que os ditames do governo federal desconsideravam totalmente elementos como a inventividade e a pluralidade, querendo unificar visões de mundo, algo totalmente insustentável.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *