float(8) float(3) float(2.7)

Crítica


3

Leitores


3 votos 5.4

Onde Assistir

Sinopse

Uma família norte-americana está de férias nos alpes austríacos. Depois de escapar de uma avalanche, ela vive uma tensão ocasionada pela suposta covardia do patriarca, que fugiu na iminência da morte e deixou os seus para trás.

Crítica

Produtores norte-americanos adoram bancar refilmagens de sucessos estrangeiros. Os famigerados remakes motivados pela língua nem sempre são guiados por uma vontade promissora de explorar tramas de outras cinematografias num contexto estritamente estadunidense. Por isso, tantos espectadores torcem o nariz para essa prática comum. Assistir a Downhill, releitura do sueco Força Maior (2014), nos permite refletir sobre os procedimentos que orientam essas novas versões capazes de acondicionar conteúdos instigantes em embalagens bastante rasteiras. Basicamente, os diretores Nat Faxon e Jim Rash transformaram o desconforto que sobrevém à atitude masculina, no mínimo, controversa, numa lavagem de roupa suja engatilhada por uma superficial crise de meia-idade. Pete (Will Ferrell) e Billie (Julia Louis-Dreyfus) vão passar uma temporada de férias com os filhos nos alpes austríacos. Desde a chegada deles no hotel, fica evidente a predileção do longa-metragem por expedientes surrados, como a deflagração estereotipada do abismo entre europeus e ianques.

Não é apenas no início que os representantes do Velho Continente são lidos a partir da relação menos moralista com o sexo. Se isso ao menos servisse para questionar a constituição castradora/cristã do norte-americana... Mas, a autocrítica não é uma das virtudes desse filme que se afunda gradativamente no terreno pantanoso do banal/bobo. Sintética e diretamente, Downhill poderia ser definido como uma comédia de sabor rançoso, incapaz de aproveitar as situações para gerar mais que um incômodo raso. O episódio que engatilha a crise matrimonial – ou a traz à tona violentamente, diferença que longa não investiga propriamente –, a avalanche em meio a qual o homem demonstra egoísmo e a mulher o altruísmo que poderia lhe custar a vida, é rodado de modos diametralmente opostos na produção sueca e na estadunidense. Na primeira, a câmera estática enfatiza o fenômeno da natureza e lança uma bruma sobre o episódio. Na segunda, a decupagem dá conta de evitar quaisquer ruídos, sendo absolutamente instrutiva para que ninguém fique em dúvida.

Essa natureza didática, aliás, é um dos calcanhares de Aquiles de Downhill. Não há espaço a entrelinhas, tudo é (mal) verbalizado e os poucos silêncios são artificialmente constrangedores. Ainda no que tange à crise de meia-idade de Pete, ela é eleita pelos realizadores como motivo razoável para nutrir a celeuma. Billie chega a vomitar sua tese do enterro simbólico para explicar a fuga, trazendo à tona algo que poderíamos entender a partir das circunstâncias apresentadas. Subestimando a perspicácia do espectador, Nat Faxon e Jim Rash não apenas reduzem tudo a uma dinâmica de ação e reação, incorrendo num psicologismo barato e escancarado, mas também acham necessário explicações tim-tim por tim-tim, vide a esposa vociferando sua indignação e o marido comportando-se como um pateta em busca de aceitação. Da alocação num resort não indicado a famílias à predileção por descidas relativamente radicais, ele supostamente vive um conflito plausível. De um lado, a aventura incapaz de suportar os compromissos. Do outro, a responsabilidade inerente a ser pai.

Nem mesmo a impagável Julia Louis-Dreyfus se salva em Downhill. Sua Billie é encaixada num terreno para lá de conhecido, o da mulher que aceita melhor o ônus da conjectura familiar. Além disso, a atriz fica à mercê do ridículo ao ter sublinhadas caras e bocas. Alguns momentos constrangedores, como a tentativa de masturbação no banheiro que acaba numa queda pretensamente engraçada, indicam aqui, com o perdão do trocadilho, que seguimos ladeira abaixo desde a gracinha mal encaixada da sequência inaugural. Novamente, se comparado a Força Maior, este filme empalidece ao ponto de ser descartável. Pois, no lugar de um humor desconfortável, fruto tragicômico de uma circunstância extraordinária, o que temos aqui é uma comédia bem ordinária em que as arestas são devidamente aparadas em função da preconcepção torpe quanto à presumida incapacidade alheia para lidar com subtextos e certas complexidades. Confronta-lo com o original é como parear Quanto Mais Quente Melhor (1959) e As Branquelas (2004). Não que o longa de Ruben Östlund chegue perto da obra-prima de Billy Wilder, nem que ao sucesso de público dos Wayans caiba equivalência com esse tolo equívoco.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Daniel Oliveira
4
MÉDIA
3.5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *