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Sinopse

Lady Violet acaba de herdar uma propriedade no sul da França, deixada por um homem misterioso do seu passado. Por conta disso, a família Crawley vai conferir o imóvel. Em meio a isso, Lady Mary terá que lidar com uma companhia cinematográfica que escolhe a residência de Downton Abbey como cenário de sua mais recente produção.

Crítica

Bastam não mais do que alguns minutos de Downton Abbey II: Uma Nova Era para que os fãs dos personagens criados por Julian Fellowes esqueçam de A Idade Dourada (2022), a tentativa anterior o roteirista de ‘requentar’ esse contexto de ricos x serviçais há mais de um século. Esta percepção nem chega a ser demérito do programa recente, mas a comprovação da eficiência dessa fórmula em sua proposta de maior êxito – superior até mesmo a sua primeira tentativa, o longa Assassinato em Gosford Park (2001), que apesar de ser um favorito da crítica (e vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original), não alcançou êxito em se comunicar com um público maior, diferente do visto em suas incursões televisivas. Downton Abbey (2010-2015), a série, percorreu um arco de seis temporadas, alguns episódios especiais de Natal e um longa (Downton Abbey, 2019), numa jornada que ofereceu ao seu público de curiosos e admiradores uma impressionante miríade de personagens, oriundos de distintas classes sociais e históricos pessoais. Mesmo assim – ou, talvez, justamente por tudo isso – faltava aquele ponto final, a resolução capaz de se mostrar à altura das expectativas reunidas. E eis que agora ela se apresenta.

Simon Curtis, diretor de longas como Sete Dias com Marilyn (2011) e Adeus, Christopher Robin (2017), adentra nesse universo preocupando-se não em reinventar a roda, mas em entregar exatamente o que dele (o realizador) se espera: a recriação de cenários e contextos familiares àqueles que acompanham essa trama por mais de uma década. Em A Nova Era, dois eventos principais movimentam as escolhas dos protagonistas. Por um lado, há a revelação de que a Condessa Viúva Violet Crawley (Maggie Smith, afiada como sempre, fazendo de cada frase proferida um meme em potencial) teve um namorado na juventude que agora, ao falecer, deixou para ela uma deslumbrante villa no sul da França. O recurso não chega a ser novidade – tanto que o texto se encarrega de recordar outro romance dela de décadas anteriores, quando se envolveu com um nobre russo. Mas funciona na medida em que se entende a busca por uma reciclagem mais elaborada. Tanto pela idade, como pelo segredo que agora é revelado, a velha senhora demonstra interesse algum em visitar o lugar, mas aceita a herança de bom grado, decidindo doá-la a mais velha das bisnetas (a única a ter perdido a mãe). Assim, praticamente metade dos parentes partirão em viagem, enquanto os remanescentes terão outra situação com a qual lidar.

Downton Abbey, para os recém-chegados – e o filme não demonstra muito interesse nesses, pois não há contextualizações didáticas, partindo de um conhecimento prévio imediato – é a casa (mansão? palácio?) onde mora a família Crawley e suas dezenas de empregados. Se há algumas décadas manter um espaço como esse era possível dentro de uma lógica quase feudal, no início dos anos 1930 – época em que essa história se situa – esse manejo não se faz mais possível. É preciso recorrer à criatividade e ao aproveitamento de oportunidades. Como a oferta de uma companhia cinematográfica, interessada em filmar sua próxima produção naquele ambiente. Lady Mary (Michelle Dockery, vestindo com conforto sapatos que há muito conquistou), a primogênita das filhas do casal, é quem decide ficar para tomar conta de tudo enquanto recebe os visitantes. A passagem dessa gente “moderna” não é aceita sem demonstrações de desagravo, mas o montante que estão dispostos a pagar será mais do que suficiente para o conserto do telhado – e quando um mais um são dois, se faz necessário se ater à matemática.

Robert (Hugh Bonneville) e Cora (Elizabeth McGovern), os patriarcas, rumam à França acompanhados por um pequeno séquito, num entourage que inclui até mesmo o antigo mordomo, sr. Carson (Jim Carter). Lá encontram a viúva (Nathalie Baye, em participação discreta), que deixa claro sua pouco disposição em recebê-los – afinal, irá perder o palacete de férias da família para um grupo de desconhecidos! – e seu filho. É esse, vivido por Jonathan Zaccaï (Robin Hood, 2010), que aos poucos irá revelar os motivos do convite para tê-los ali: afinal, seu pai e a mãe de Robert se separaram exatamente nove meses antes do nascimento desse. Haveria, portanto, um motivo por trás dessa escolha testamentária? Enquanto isso, na Inglaterra, ao mesmo tempo em que os funcionários precisam descobrir como lidar com astros esnobes (Laura Haddock, de Guardiões da Galáxia, 2014) e outros por demais interessados (Dominic West, fazendo bom uso de uma postura galanteadora), Mary irá se aproximar do diretor do projeto, papel do sempre versátil Hugh Dancy – e a ausência de Matthew Goode, como Henry, o marido, é a mais sentida. Porém, essa ligação servirá para, assim como no clássico Cantando na Chuva (1952), uma homenagem à época de ouro do cinema, numa brincadeira inocente, mas de enorme potencial emotivo.

Da mesma forma como os capítulos finais de qualquer folhetim global – e Downton Abbey nunca ousou ser mais do que uma refinada e elegante novela – a profusão de casamentos, declarações e engajamentos de última hora poderão incomodar os mais sensíveis, mas de modo algum destoa de uma proposta há muito estabelecida: quando a fantasia dita que os dois caminhos para a felicidade passam ou pelo sucesso financeiro, ou pela realização amorosa, não se pode exigir desvios neste percurso. Curtis e Fellowes sabem disso, e conseguem propor um caminho até mesmo para Barrow (Robert James-Collier), o mordomo gay que, apesar de seguir sendo visto com certa condescendência, enfim encontra um propósito que lhe soa não apenas conveniente, mas também excitante. E dentre tantas partidas e mudanças, nenhuma poderia ser mais emotiva – e munida da pompa e da circunstância que lhe é mais do que devida – do que os instante finais da grande Maggie Smith, fazendo valer com peso de ouro cada minuto em cena. Assim, Downton Abbey: Uma Nova Era, por mais que tente apontar para um recomeço, é acima de tudo uma despedida. E que prazer é poder dar adeus na hora certa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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