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Sinopse

A família Crawley, proprietária de um vasto território no interior da Inglaterra, e as mudanças que enfrentam com a chegada do século XX.

Crítica

Seis temporadas e um filme”. Esse era o lema da série Community (2009-2015), mas se não foi bem isso que aconteceu com o programa estrelado por Chevy Chase e Donald Glover (entre outros), tal ‘ordem do dia’ cai como uma luva nessa produção oriunda do outro lado do Atlântico. Criada por Julian Fellowes (vencedor do Oscar pelo roteiro de Assassinato em Gosford Park, 2001), Downton Abbey (2010-2015), o seriado, aproveitava o que o longa de maior sucesso do seu realizador tinha de melhor (a luta de classes em uma Inglaterra do início do século XX), deixando de lado, de fato, o que lhe era irrelevante (a tola trama de morte e mistério). Como se percebe, era um produto refinado, com períodos curtos – cada ano contava com seis a nove episódios, apenas – mas muito bem elaborados – alguns capítulos, principalmente os especiais, chegavam a ter mais de 90 minutos de duração! Ou seja, Downton Abbey, o filme, não é nada muito diferente daquilo com o que os fãs estavam acostumados, acrescentando apenas um pouco mais daquilo que lhe era tão importante: os laços humanos e as diferenças entre os dois lados de uma mesma moeda. Desenvolve-se, como se percebe, por ambientes seguros. Uma escolha nada original, mas ainda assim bastante acertada.

O longa lançado após as seis temporadas nada mais é do que um episódio especial do programa visto na televisão, mas com um diferencial tão importante que o torna completamente único. Não há, efetivamente, nenhuma trama crucial a ser desenvolvida, não se retoma pontas deixadas soltas na telinha para, agora, serem melhor desenvolvidas, e nem se propõe algo absolutamente inesperado, a ponto de fugir dos cenários tão bem conhecidos. Muito pelo contrário, está tudo no mesmo lugar, como assim foi por tanto tempo. A questão, no entanto, é quem se faz presente. E ninguém seria mais relevante, ainda mais no contexto proposto, do que uma visita tão singular quanto representativa para tudo que sempre se discutiu na série: o rei e a rainha do Reino Unido, que decidem passar pela mansão de Downton Abbey durante uma tour pelo interior do país. Tal anúncio é mais do que suficiente para mexer com os brios e as expectativas de todos os residentes, tanto no andar de cima, como talvez ainda mais entre aqueles que habitam o piso inferior.

Uma coisa importante de ser ressaltada: por mais que o filme não revele maiores preocupações em se mostrar didático aos não familiarizados, tudo fica rapidamente compreensível para os recém chegados. Os diálogos não são particularmente expositivos – no sentido de apresentações, explicações de laços e conexões – mas, com o desenrolar dos acontecimentos, poucos permanecerão em dúvida quanto aos verdadeiros papeis de cada personagem. A própria distinção entre serviçais (os debaixo) e proprietários (os acima) fica bastante evidente. Enquanto uns estão preocupados com aparências e protocolos, outros investem em reflexões a respeito dos seus lugares em um mundo em constante transformação e o que significará no amanhã tudo aquilo que hoje parece ter tanta importância, ainda que cercado por questionamentos supérfluos ou desprovidos de profundidade. O mais curioso, além do mais, é descobrir que tais pensamentos não se manifestam entre os usuais suspeitos, ganhando espaço até mesmo entre a mais inesperada destas figuras.

Alguns, no entanto, são fundamentais para o bom andamento da engrenagem. De um lado, a rebelde Daisy (Sophie McShera), a ajudante de cozinha em busca de algo a mais que a motive, o misterioso Thomas (Robert James-Collier), o mordomo que esconde dos demais sua homossexualidade, e a perspicaz Anna (Joanne Froggatt), a camareira que enxerga melhor do que qualquer um ao seu redor. Estes três formam os verdadeiros elos entre os empregados, e estão neles as chaves da mudança rumo a uma realidade mais igualitária, menos preconceituosa e capaz de reconhecer os verdadeiros talentos de cada um. Da mesma forma, outra trinca se forma entre Lady Mary (Michelle Dockery), a primogênita que terá o fardo de dar continuidade à história de sua família, Tom Branson (Allen Leech), o cunhado que ascendeu a uma nova posição e ainda luta para encontrar seu lugar, e, é claro, a condessa viúva Lady Violet (Maggie Smith, valendo cada minuto em cena), que entre frases de efeitos e tiradas certeiras, mostra de uma vez por todas ser o verdadeiro coração de Downton Abbey. Um músculo pulsante que, mais do que qualquer outro, reconhece a hora certa de dar adeus.

Assim como a disputa de uma herança ou o embate para decidir quem irá servir à mesa, muitos dos conflitos apresentados em Downton Abbey não passam de meras – e rápidas – desculpas para que estes personagens possam interagir entre si, mostrando-se não apenas como um retrato da época abordada, mas também um espelho para rumos melhores, ainda que revoltos. Princesas infelizes e futuras mamães que anseiam por uma família mais segura, homens em busca de amor e profissionais à espera de reconhecimento: Fellowes e o diretor Michael Engler (realizador de séries tão distintas quanto A Sete Palmos, 2001-2003, e Sex and the City, 2001-2004) são hábeis em compor um impressionante quebra-cabeça, com cada peça encontrando seu devido lugar, independente do tempo em cena ou do andar pelo qual se movimentem. Uma despedida honrosa e muito digna, com propriedade suficiente para aquecer as memórias e iluminar as lembranças dos mais ferrenhos admiradores, assim como é atenta àqueles que, a partir desse passo, partirão numa jornada de redescoberta. Fim e começo, portanto. Como se vê, na medida certa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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