Drácula: A Última Viagem do Deméter
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André Øvredal
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The Last Voyage of the Demeter
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2023
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EUA / Reino Unido / Malta / Itália / Alemanha
Crítica
Leitores
Sinopse
O navio Deméter foi fretado para o transporte de diversos caixotes de madeira sem identificação. Durante a viagem, estranhos acontecimentos mudam drasticamente os rumos de uma jornada que tinha tudo para ser tranquila.
Crítica
Por mais que se saiba o final de determinada história, muitas vezes o verdadeiro prazer está não nesse desfecho já conhecido, mas no desenrolar dos acontecimentos, e como uma situação tão diferente pode se transformar a ponto de chegar até o ponto pelo qual todos esperam. Com isso em mente, André Øvredal (Histórias assustadoras para contar no escuro, 2019) trata logo de “tirar o elefante da sala”, por assim dizer: Drácula: A Última Viagem do Deméter, seu mais recente filme, começa exatamente pelo final. Na grande maioria das adaptações para o audiovisual do romance de Bram Stoker, muitos dos acontecimentos se passam na Romênia, terra natal do Conde Drácula e onde ele recebe, em seu castelo, o incauto advogado enviado até ele, e posteriormente em Londres, para onde este ser sanguinário se dirige em busca da reencarnação de sua noiva amada. Nada (ou muito pouco) é dito sobre como ele foi transportado de um ponto a outro e, principalmente, como se deu tal travessia. Pois bem, eis que ele foi de navio, e esse tinha como batismo... Deméter. Obviamente, há um preço a ser pago por carregar tão mortal passageiro. E o modo como esse preço é cobrado, sem pressa e nem atropelos, como um caçador que, aos poucos, vai encurralando a sua presa, é o maior mérito dessa produção discreta, mas digna de atenção.
Há pouco nos escritos de Stoker a respeito de como se deu essa ida, sobre a mudança das marés e o cotidiano em alto-mar. Bragi F. Schut (Escape Room, 2019) e Zak Olkewicz (Trem-Bala, 2022) alegam terem se baseado em um único capítulo da obra original, aquela focada nos registros do diário de bordo do Deméter. Portanto, muito do que se vê em cena se trata de um exercício de imaginação, que facilmente poderia ter se aventurado por outros registros, percorrendo excessos e obviedades que em nada agregariam à mitologia que se sabe a respeito de tão icônico personagem. É gratificante perceber, no entanto, que o objetivo dos roteiristas é não mais do que desenvolver um bom enredo, apresentando seus integrantes nos momentos apropriados, introduzindo cada passagem com cuidado, sem gerar conflitos desnecessários e sempre mantendo foco no desfecho anunciado. Afinal, se sabe que Drácula, enfim, chegará até Londres, e não há como impedir que a besta alcance seu destino. Portanto, a trama abre com o navio tendo completado sua viagem. Mas não como se poderia esperar. Essa jornada foi tudo, menos calma. E o Deméter que lá chegou é apenas um arremedo daquele que deixou o porto de Carpathia.
Uma vez o cenário estabelecido, importante dirigir as atenções aos ocupantes da embarcação, também conhecidos como “futuras vítimas”. Comandado pelo capitão Eliot (Liam Cunningham, de Game of Thrones, 2012-2019, uma presença geralmente de efeito, impondo autoridade sem muito esforço), a tripulação guarda nomes interessantes, como o do primeiro imediato Wojchek (David Dastmalchian, de O Esquadrão Suicida, 2021), ou o do médico Clemens (Corey Hawkins, escalado para ocupar o papel do “herói” da trama), que acaba sendo convocado de última hora. É um universo de homens, e destes pouco se espera além de força bruta, bebedeiras e reclamações pontuadas por muitos palavrões. Termos que deveriam ser mantidos à distância do pequeno Toby (Woody Norman, indicado ao Bafta por Sempre em Frente, 2021), neto daquele no comando, e do cachorro de estimação do garoto. Porém, quando estes dois se mostram entre os primeiros a serem atacados pela fera descontrolada, um sinal bastante claro é dado: se nem crianças ou animais estão à salvo, mais ninguém pode se sentir seguro.
Eis uma sacada perspicaz de Øvredal, que no auge dos eventos contradiz algumas das máximas do cinema hollywoodiano, sem se importar com os estômagos revirados ou as expressões de desgosto que tais decisões poderão provocar em sua plateia. Ainda antes de assumir uma postura mais radical, no entanto, trata de inserir uma nova – e inesperada – viajante: Anna (Aisling Franciosi, de Criaturas do Senhor, 2022), uma mulher ainda viva encontrada em um caixão colocado junto com a carga que está sendo transportada. Por mais que sua presença seja sinal de mau agouro – lembre-se, a ação se passa em pleno século XIX, em meio a uma tripulação tomada por superstições – é também a confirmação de que algo muito fora do previsto está acontecendo por ali. Fraca e com visíveis marcas pelo corpo, o que logo se percebe é que ela teria uma função a cumprir – seria o “lanche” para os momentos de maior fome do monstro durante o percurso – e que, uma vez tirada desse lugar, a sensação de ter sido salva pode até se apresentar no começo, mas logo será substituída por um temor ainda pior: não será mais apenas ela em perigo, pois agora qualquer um acima do nível do mar estará com o pescoço, literalmente, em risco. E somente o mais perspicaz – ou valente – conseguirá resistir para contar a respeito da provação que enfrentou e, inacreditavelmente, sobreviveu.
Há de se reconhecer os talentos que demonstram grande esmero para fazer desta uma produção maior do que de fato foi. A câmera de Tom Stern (indicado ao Oscar por A Troca, 2008) é hábil em explorar ambientes claustrofóbicos e revelar espaços até então inéditos, por mais que circule por um contexto limitado. Destaca-se também a engenharia desenvolvida por Edward Thomas, designer acostumado a esse tipo de limitação, visto seu premiado trabalho em séries como Doctor Who (2005-2010). Entre a superfície, a vastidão do oceano, e as salas e corredores angustiantes dos interiores, há muito por ser calculadamente revelado. Mas talvez o maior acerto de Drácula: A Última Viagem do Deméter seja não esconder além da conta aquele pelo qual todos anseiam: Drácula, é claro. O ser rastejante e esfomeado que aos poucos vai se apresentando lembra o clássico visual de Nosferatu (1922), aliado a uma potência voraz capaz de arrepiar até o mais cético presente na audiência. E entre sustos imaginados e soluções que invariavelmente irão tender para o pior, lamenta-se que esta investigação não tenha ousado ainda mais na lenda e proposto a sua própria versão do nêmesis. Já imaginou se o bebedor de sangue tivesse viajado na companhia de ninguém menos do que um obstinado Van Helsing? Eis, enfim, uma relação que estaria longe de chegar ao fim.
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