Crítica
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Sinopse
Martin e seus três melhores amigos, os quatro professores do ensino médio, decide testar uma teoria que afirma que o homem pode ser mais feliz caso mantenha constante um nível álcool no sangue. Logo, o que deveria ser controlado, passará por excessões que terão repercussões em suas vidas profissionais e familiares.
Crítica
O subtítulo no Brasil, Mais Uma Rodada – que é apenas a tradução do batismo em inglês, Another Round, ou seja, não é culpa do distribuidor nacional – pode passar a falsa impressão de que o longa escrito e dirigido pelo cineasta dinamarquês Thomas Vinterberg se trata de uma comédia colegial tipicamente hollywoodiana, com um grupo de arruaceiros entorpecidos até altas horas pelos bares da vida. Pois então, Druk pode ser tudo, menos isso. Até se tem, em cena, os quatro protagonistas, melhores amigos de uma vida, sentados um diante do outro em uma mesa de restaurante. Seus semblantes, no entanto, apontam o oposto da comemoração que serviu como desculpa para reuni-los: estão desanimados, adormecidos, anestesiados, amortecidos. Como se a vida tivesse passado por eles e os atropelado, deixando para trás apenas o bagaço extraído daquilo que um dia foram. Esse espírito de contrariar as expectativas e partir em busca de uma ousadia há muito perdida percorre uma narrativa que tem muito a oferecer além dos meros episódios que enumera.
Martin (Mads Mikkelsen) é um homem que, aparentemente, tem tudo o que sempre sonhou. Casado com uma mulher ativa e trabalhadora, é pai de dois garotos saudáveis e inteligentes. A família mora em uma casa espaçosa à beira do lago. É respeitado no emprego como professor de História e tem sempre ao alcance os colegas que o acompanham desde a juventude e hoje trabalham na mesma escola que ele. O que lhe falta, no entanto, é ânimo. É redescobrir aquele que um dia foi, e que ele próprio parece ter perdido pelo caminho. Portanto, quando se dá conta de que tudo o que aparenta ter conquistado nenhum calor mais lhe oferece, o que consegue é oferecer uma voz embargada e um olhar lacrimejante. Sente pena de si mesmo. Tanto é que entende quando os alunos não o veem com o mesmo interesse de antes, quando os filhos dão a impressão de terem sempre algo melhor a fazer longe dele, e o pior, quando descobre que a mulher está tendo um caso com um amante. Se nem ele mais gosta de si, como fazer que os demais sintam algo diferente?
Também é por isso que, no meio desse desespero de não saber mais a quem recorrer para mais uma vez se reencontrar, passa a ouvir com atenção uma teoria que, em outra situação, teria tudo para não passar de mera anedota. Segundo um dos amigos, que por sua vez copia os dizeres de certo estudioso, o corpo humano teria nascido com uma determinada deficiência alcoólica. Assim, para bem funcionar, o ideal seriam alguns goles, não o bastante para se embriagar, mas o suficiente para se soltar e perder certas inibições. Acreditando não terem nada a perder, os quatro companheiros decidem partir juntos para o experimento. Assim, tanto Martin quanto Tommy (Thomas Bo Larsen, de A Onda, 2015), o professor de educação física, Nikolaj (Magnus Millang, de A Comunidade, 2016), o mestre de filosofia, e Peter (Lars Ranthe, de Quando o Dia Chegar, 2016), o instrutor de música, começam a enfrentar cada novo dia somente após uma (ou mais) doses matutinas de vodka (ou algo que o valha). E se o começo parece auspicioso, é também certo que logo o que estava sendo comedido perderá o controle.
Com uma estrutura como a proposta em mãos, facilmente Vinterberg poderia resvalar na comédia, incorrendo, inclusive, no pastelão. O humor não está distante de Druk: Mais Uma Rodada, mas acontecimentos extra-fílmicos influenciaram decisivamente no tom assumido pela narrativa. Segundo o cineasta, a ideia para esse projeto partiu de sua própria filha, que atentou para uma alarmante estatística: na Dinamarca o nível alcoólico consumido pela população chega a ser até quatro vezes superior ao do resto da Europa. Se desde a juventude estão acostumados a beber em toda e qualquer ocasião, o que lhes resta quando a própria sociedade tenta impor limites a essa bebedeira? O questionamento deu início a uma forma assumidamente cômica. Porém, uma tragédia alterou tais planos. Quando a garota faleceu em um acidente de trânsito poucos dias antes do início das filmagens, esse evento levou o diretor e refletir mais a respeito do que tinha pela frente. Assim, além de dedicar a obra à Ida Maria Vinterberg, fez do filme uma reflexão sobre a condição humana e os laços que vão sendo estabelecidos no decorrer de uma existência, os que se mostram válidos ou não mesmo diante das condições mais áridas e os desafios que cada um precisa enfrentar no esforço de se manter fiel aos ideais de outrora, sem se deixar corromper ou fraquejar.
Muito do sucesso alcançado pelo cineasta é graças ao excelente desempenho do elenco principal. Se tanto Larsen como Millang ou Ranthe (todos indicados ao Bodil e ao Robert, as duas maiores premiações do cinema dinamarquês) se prestam tanto a momentos de descontração como também para pontuar o enredo com seus próprios dramas, aumentando o escopo de identificação, está sob responsabilidade de Mikkelsen tornar o conjunto ainda mais real e próximo. Em sua primeira experiência com o cineasta após o impressionante A Caça (2012), Mads deixa de lado qualquer excesso para construir uma figura submersa nos medos e decepções acumulados ao longo de anos de adiamentos, submissões e desprezos. A exultação que busca – e alcança, mesmo que por vislumbres fugidios – é mais do que o bastante para justificar as mudanças de comportamento de empreende e o vigor que nele mais uma vez renasce. É a energia que precisa ser exposta, compartilhada e vivenciada até o seu ápice, representado em uma sequência final que tanto aponta para a realização plena como para o fim que se aproxima. Um grito de socorro em meio a uma celebração do potencial humano.
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