Crítica
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Sinopse
No dia 14 agosto de 1941, em Auschwitz, na Polônia, o sacerdote Maximiliano Kolbe fez uma difícil escolha: dar a sua vida para salvar um pai de família que mal conhecia. Sem ter ideia do grande legado que deixaria para as gerações futuras, Kolbe dedicou sua jornada à compaixão e solidariedade, e anos depois de sua morte foi proclamado santo pelo Papa São João Paulo II.
Crítica
Neste filme polonês, o diretor Michal Kondrat caminha em direção à câmera e conversa diretamente com o espectador. Ele afirma que, em sua trajetória dentro da Igreja Católica, o sacerdote Maximiliano Kolbe descobriu que o cinema possuía forte potencial para “evangelizar melhor as pessoas”, apesar de as salas de cinema estarem repletas de “temas sem relevância, nocivos ao clero”. Em outro momento, o diretor-apresentador nos lembra que Kolbe criou uma revista religiosa cuja linguagem era bastante simples, visando se comunicar com as classes mais populares. Duas Coroas efetua o mesmo caminho: simplificar ao máximo sua mensagem e seu uso da linguagem cinematográfica em busca de novos seguidores às causas do religioso. Não é de se espantar que o filme tenha sido financiado por instituições católicas e associações em defesa de Kolbe: o projeto constitui uma peça institucional do biografado.
Na época em que brasileiros debatem com tanto ardor a suposta “doutrinação ideológica” sofrida por jovens nas escolas e universidades, surpreende a distribuição de um produto cinematográfico tão assumidamente doutrinador. No entanto, como a acusação de lavagem cerebral visa apenas os pensamentos contrários àqueles de políticos conservadores, obras como esta passam despercebidas, quando não são encorajadas. Esta é a mesma lógica de atacar a Lei Rouanet até que ela seja utilizada para financiar projetos religiosos: critica-se a linguagem que não me favorece, até ela se tornar benéfica à minha causa, quando então é perdoada e incentivada. A questão, portanto, não diz respeito à validade da arte ou ao financiamento da cultura, e sim ao conteúdo veiculado: quando chegam aos cinemas produtos de sustentação cristã a exemplo de Os Dez Mandamentos (2016), Nada a Perder (2018) e Duas Coroas, o status quo os permite.
Quanto ao filme em si, seria fácil dizer que se trata de uma narrativa educativa, um tanto simplória em sua apresentação, mas esse fator não constituiria uma surpresa. Afinal, o reacionarismo ultrapassa a barreira da ideologia para atingir a estética. A linguagem que a maioria do meio artístico refutaria pelo teor novelesco e anacrônico converte-se em registro considerado apropriado ao louvor religioso. A infância de Kolbe é representada por cenas ultra saturadas, destinadas a sublinhar sua vocação a santo, a genialidade matemática e a bondade incondicional. Cada cena se conclui com um fade acompanhado de efeitos sonoros espetaculares, enquanto a presença do diretor em cena se aproxima da reportagem. Depoimentos de figuras religiosas polonesas fornecem unicamente elogios ao protagonista. Sugere-se, por exemplo, que “para combater o mal, Kolbe decidiu promover o bem”. Simples assim.
O maniqueísmo corresponde à tentativa assumida de rebaixar o nível não apenas das imagens, mas também do discurso. Interessa ao filme afirmar que o religioso antecipou as viagens espaciais, foi o pioneiro da pregação cristã no Oriente e também previu a bomba atômica – além de perdoar os criadores da mesma logo após os ataques de Hiroshima e Nagasaki. Em seguida, o diretor reaparece, dizendo: “Recapitulando: em 1917, Kolbe...” e se lança num resumo de tudo o que vinha dizendo até então. O recurso não é apenas didático, mas também destinado a pessoas de baixa capacidade cognitiva. Kondrat imagina que seu público não é muito inteligente, cabendo o filme se repetir até ser finalmente compreendido. O cinema, no caso, não possui vocação artística: ele se limita a uma ferramenta de difusão em massa, como foram outrora a televisão, o rádio, os megafones, os panfletos nas ruas. Por constituir mero veículo de difusão, ele não precisa ser belo, instigante ou ousado em si.
Ao menos, não se pode acusar Duas Coroas de uma comunicação dissimulada: suas intenções se fazem extremamente claras desde o princípio. Talvez seja infundado exigir qualidade cinematográfica do filme que se importa pouco com as artes. A distribuição do filme se insere neste momento em que o poder religioso percebe o potencial de marketing do cinema comercial. Enquanto se repudia os artistas e a arte, utiliza-se de suas ferramentas para pregar uma mensagem defensora da moral, dos bons costumes... e contra as invenções artísticas e sociais propostas pelo cinema. Santa ironia! Desde o nascimento da sétima arte, todo governo autoritário, de direita ou de esquerda, religioso ou não, percebeu a vocação ideológica das imagens de massa. O atual governo não difere deste raciocínio, tendendo a valorizar produtos como este: caóticos em sua estrutura, cafonas em sua estética, porém tão claros quanto uma missa ou culto. Kondrat sabe com quem está dialogando, e seu público certamente não é o frequentador assíduo do cinema, tampouco o amante da arte enquanto janela para a compreensão do mundo.
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Eu posso até entender a crítica ao filme como obra cinematográfica em si. A linguagem realmente simplória, a opção pela forma de documentário, sem grandes dramatizações. Penso que uma história como a de São Maximiliano merece uma obra épica, grandiosa, pois sua própria história é assim. Numa época em que imperava tanta brutalidade, época em que ocorreram as guerras e perseguições mais brutais que já se viu na história da humanidade, São Maximiliano foi uma chama de caridade e virtude brilhando no meio das trevas. O que já foge da crítica de cinema e passa a ser uma birrinha do "crítico" com temas religiosos são colocações absolutamente descabidas, como querer problematizar a visão de Kolbe sobre o potencial evangelizador do cinema ou a evangelização pela imprensa. Como se "evangelizar" fosse um verdadeiro palavrão, ou um crime inominável. Mas o pior é o sujeito acabar de se deparar com a história de um homem que, numa situação de sofrimento extremo, em que cada um só pensava na própria sobrevivência, foi capaz de oferecer a própria vida por quem ele mal conhecia, para morrer em seu lugar de uma forma horrível; um homem que no meio da guerra e da violência extrema foi amparo e consolo para tantas pessoas; enfim, o sujeito se depara com uma história assim e tudo que ele enxerga é "uma mensagem defensora da moral e dos bons costumes"! Meu amigo, tu não entendeste é p**** nenhuma!
Uau! Vim sem pretensão saber um pouco do filme, afinal nem não assisti e não sei muito da história de São Maximiliano e estou espantada como você transborda preconceito, péssima leitura. Não tenho vontade de ler nada do que você possa vir escrever.
Tu foi tão, mas tão burro, que usou Lei Rouanet (dinheiro do Governo pra financiamento) e PATROCÍNIO PRIVADO de instituições religiosas. Daí passa essa vergonha aí, de ficar ofendido e chocado porque um filme 1) feito por católicos 2) sobre um santo católico e 3) patrocinado por instituições católicas tenha tido uma mensagem católica. O mais legal - e aí a gente vê o quanto voce se atentou ao que tava vendo - é que a história é literalmente de uma pessoa que escolheu morrer no lugar de outra, e isso nem te toca, porque estás preocupado em lacrar.