Crítica
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Sinopse
Mary, ainda criança, foi prometida ao filho mais velho do rei Henrique II, Francis, e acabou sendo levada para França. Mas logo Francis morre e Mary volta para a Escócia, na tentativa de derrubar sua prima Elizabeth I, a Rainha da Inglaterra.
Crítica
Há algo irremediavelmente trágico em Duas Rainhas. E isso não se refere apenas à natureza histórica em questão, pois dessa àqueles minimamente informados já estão a par. A se observar, antes de qualquer coisa, os valores intrínsecos à própria produção, corrompida desde sua gênese por um espírito revisionista que não apenas limita suas ambições, como também termina por impor ao conjunto um reducionismo agravante. Com esse, esgota-se rapidamente as possibilidades de oferecer um novo fôlego a uma trama já muito explorada, uma vez que a mesma se perde sem possibilidades de retorno logo de partida, ao se ver frente a escolhas dúbias e caminhos que, a partir do momento em que são assumidos, imediatamente se mostram desaconselháveis. Não que o todo seja desprovido de méritos – muito pelo contrário, esses existem, sim, e em abundância. O problema está na inabilidade da condutora em guiá-los, faltando não apenas harmonia, mas também revelando uma carência absoluta de propósitos.
Dirigido pela novata Josie Rourke – mais acostumada a encenar peças de teatro na televisão britânica – Duas Rainhas não tarda em colocar em evidência suas raízes. O aspecto teatral revela-se no modo como a trama é conduzida de forma bastante ostensiva – apesar dos cenários grandiosos ao redor, quase toda a ação se passa em cenas internas – assim como as motivações por trás de cada ato. A isso, deve-se crédito ao envolvimento do roteirista Beau Willimon, indicado ao Oscar por Tudo Pelo Poder (2011) e ao Emmy pela série House of Cards (2013-2019), produções que, assim como essa, baseavam-se mais nas discussões vistas nos bastidores do que nas encenações percebidas diante de todos os olhos. A impressão, em mais de um momento, é de se estar diante de um amplo painel de intrigas palacianas. Mas, ao mirar em Shakespeare, tudo o que alcança é o peso de uma novela cujo impacto não dura sequer até o capítulo seguinte.
Baseado no romance Queen of Scots: The True Life of Mary Stuart, de John Guy, o filme já começa a apontar seus deslizes no batismo nacional. Afinal, por mais que tenhamos, de fato, duas rainhas em cena, a Elizabeth (Margot Robbie) da Inglaterra é não mais do que uma mera coadjuvante, uma presença de fundo cuja importância existe, mas nunca chega a ser percebida com o verdadeiro peso que lhe convém. O enredo concentra-se em Mary Stuart (Saoirse Ronan), a viúva que volta adolescente da França para assumir o trono da Escócia. Por mais que Elizabeth temesse o retorno da prima e o entrevero religioso no qual as duas estavam envolvidas – uma é protestante, a outra é católica – tivesse um significado que não poderia ser desconsiderado, o que o espectador é convidado a acompanhar são os passos em falso de uma pretensa monarca que acaba por sucumbir diante da própria ambição e prepotência.
E onde fica, portanto, o embate entre Mary e Elizabeth em Duas Rainhas? Nos créditos finais. Acredite-se ou não, Rourke e Willimon chegam a encenar um encontro entre as duas – o que seria uma incorreção histórica – para, nos cinco minutos finais, a inglesa se encarregar de narrar mais de vinte anos de acontecimentos, deixando para uma cartela de texto os desfechos necessários. Antes disso, Elizabeth não é mais do que uma observadora à distância, que sofre calada por um amor que se nega a consumar e pelas imposições que o poder lhe faz a todo instante: “neste momento, sou mais homem do que mulher”, afirma. Enquanto isso, Mary se vê tendo que lidar com conspirações, um meio-irmão que ora está do seu lado, ora é líder de revoltas, um casamento frustrado, um exílio que não chega a ir muito adiante e um sobe e desce de reviravoltas que, justamente pela inconsistência, adquirem um peso diminuto diante do que tais nomes poderiam representar.
Há também uma ânsia pelo politicamente correto a determinar o andar das carruagens de Duas Rainhas que acaba por oscilar entre o ridículo e o ingênuo. A necessidade de se mostrar atento às minorias deveria se revelar na escolha do projeto, e não na imposição de elementos que, diante o tempo e o espaço proposto, não encontrariam como se mostrar válidos. O diplomata que serve de leva-e-traz entre Escócia e Inglaterra é um homem negro, a ama preferida de Elizabeth é uma asiática, e a de Mary é um homem gay: “entre nós, você pode ser quem você quiser”, ela chega a lhe dizer. É difícil imaginar que no século XVI tamanha diversidade pudesse ocorrer nos altos escalões da monarquia britânica e escocesa. E, ao invés de se mostrarem escolhas corajosas, apresentam-se como um ruído, servindo a propósitos pontuais, porém nunca funcionando na devida amplitude de suas intenções. Assim, o que resta são duas atrizes em ótima forma – tanto Saoirse quanto Robbie se mostram dedicadas às personagens – mas que não chegam a encontrar a devida oportunidade de exercer todo o alcance do potencial reunido caso as portas lhes tivessem sido devidamente apontadas.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 4 |
Rodrigo de Oliveira | 4 |
Chico Fireman | 5 |
Cecilia Barroso | 4 |
Daniel Oliveira | 5 |
MÉDIA | 4.4 |
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