Crítica
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Sinopse
Depois da morte precoce de seu pai, Cora viaja com a avó para a Itália. Enquanto testemunha velhos ressentimentos vindo à tona em reencontros nem sempre amigáveis, a jovem processa seu amadurecimento em solo europeu.
Crítica
Há duas histórias femininas (paralelas) em Duetto que são fundamentais. A primeira é a da jovem Cora (Luisa Arraes) que, aos 18 anos, está no meio de um processo de amadurecimento mediado pela dor. Aliás, é comum nas trajetórias conhecidas como coming of age algo dramático servindo como uma espécie de limiar probatório antes dos adolescentes ganharem passaporte à vida adulta. Esse tormento pode ser o amor que infelizmente durou apenas um verão e deixou saudades, como em Me Chame pelo Seu Nome (2018), ou a morte de um ente querido, como em Beleza Roubada (1996). Aliás, o longa-metragem brasileiro se assemelha ao filme dirigido por Bernardo Bertolucci nisso de ter uma protagonista crescendo enquanto processa o luto num território desconhecido que exerce sobre ela certo fascínio. E nesse sentido, é uma pena que o cineasta Vicente Amorim não repita a estratégia do célebre colega italiano de elaborar a voltagem erótica como uma pulsão de vida que contrapõe a pulsão de morte. O sexo aqui é um mero protocolo cumprido às escondidas, fora do quadro, nunca consumado diante dos olhos do espectador. Já a segunda história é a da avó de Cora, Lucia (Marieta Severo), italiana que volta com a neta à sua terra natal depois de 40 anos de silêncio e consternação no exílio brasileiro. Ela é a mulher idosa tendo dificuldades para negociar com o passado doloroso.
Cora é a adolescente curiosa diante do futuro promissor, enquanto Lucia sofre por conta da prisão ao passado que lhe deixou como herança marcas duradouras. Essas duas personagens poderiam funcionar como espelhos mútuos, ou seja, com a Cora de hoje reverberando a Lucia de ontem e vice-versa. No entanto, o roteiro a cargo de Rita Buzzar e João Segal não amarra essas existências como se elas fossem umbilicalmente interligadas pelo sangue. As demandas de uma não respingam de modo determinante nos anseios da outra. É como se as trajetórias fossem mais isoladas do que parecem num primeiro momento. Quando uma é iluminada pelos holofotes, a outra é escanteada à espera de sua vez de voltar a protagonizar. Portanto, essas tramas que poderiam enriquecer-se mutuamente acabam disputando espaço, lutando entre si para se afirmar como a principal de um filme que sofre de outros problemas conceituais e de execução. Um deles é a direção de Vicente Amorim. Profissional experiente, com trânsito por diversos gêneros e tamanhos de produção, ele diminui o potencial dramático das cenas, com isso comprometendo o engajamento emocional do espectador. Seja por contingência de produção ou por escolhas de ocasião, a direção permite que tudo soe apressado e com pouca espessura dramática. A gravidade dos diálogos não ganha equivalência nos gestos e nas ações.
Um exemplo claro de como a direção determina a debilidade emocional de Duetto é a cena de Gino (Giancarlo Giannini) recebendo a notícia que muda completamente o seu entendimento da contenda familiar. Além do fato de essa “surpresa” ser involuntariamente telegrafada bem antes de ser revelada (o que retira o peso do instante da descoberta), Vicente não contempla o trabalho de Giancarlo Giannini para engrandecer aquele momento em que a dor se mistura com o espanto. A câmera colada no rosto do intérprete italiano exclui a resposta física de Gino diante da novidade. O diretor aposta no close-up, mas não consegue registrar nele a variedade dos sentimentos que atravessam o semblante e os meneios do ator, inclusive por apressar as coisas. Giannini visivelmente se esforça para expressar esse conjunto vasto de emoções, mas não é agraciado com tempo e espaço. Essa pressa sabotadora para resolver as cenas é outro ponto que pode ser atribuído às decisões da direção. A celeridade resulta numa artificialidade que, por sua vez, depõe contra a primazia das emoções, ou seja, mina a estratégia básica do melodrama. Trocando em miúdos: as cenas são cheias de movimentos e intenções aceleradas, os sentimentos não amadurecem ao ponto de soarem naturais e relevantes. Desse modo, conseguimos perceber as marcações e os cumprimentos das obrigações cênicas.
Com uma esforçada fotografia assinada por Gustavo Hadba – às vezes, capaz de valorizar a beleza do cenário italiano –, Duetto aborda na correria tópicos como o primeiro amor, as ambições da juventude, os obstáculos da velhice, isso tudo dentro de uma tentativa de refletir como o presente é constantemente afetado pelas chagas do passado e também por expectativas nutridas quanto ao futuro. Porém, falta algo que enxerte os personagens de vivacidade, saldo acentuado pela aposta numa repetição de tons. Marieta Severo permanece com a mesma expressão durante o filme todo, nem de longe utilizando seu vastíssimo repertório como intérprete para dar vida a uma mulher arremessada no olho do furação. E os demais membros do elenco também parecem desconfortáveis durante grande parte do filme. Maeve Jinkings está particularmente engessada como a mãe da jovem que tem o próprio quinhão de sofrimento. Luísa Arraes, atriz com quase 30 anos de idade, vive uma menina com pouco mais de 18 anos. Ainda que se esforce para dar veracidade à inocência evanescida gradativamente de Cora, ela não torna convincente a juventude passando por um processo de mutação rumo à vida adulta. E esses ruídos se transformam em barulhos significativos que sabotam as emoções, às vezes gerando gratuidade, como na cena em que Cora se entrega ao amor numa situação inusitada.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 4 |
Alysson Oliveira | 4 |
Alex Gonçalves | 5 |
MÉDIA | 4.3 |
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