Crítica
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Sinopse
Matriarca de uma grande família, Rosa vive num bairro operário francês. Próximo da aposentadoria, ela começa a perder o encanto pela vida quando conhece Henri e descobre que nunca é tarde para realizar seus sonhos.
Crítica
O cineasta francês Robert Guédiguian é um romântico incorrigível. Não daqueles que aplicam um verniz ingênuo nas superfícies para deixá-las palatáveis e brilhantes, mas dos que seguem acreditando na capacidade do ser humano de arregaçar as mangas a fim de lutar por justiça social e felicidade. Em E a Festa Continua!, como de costume em sua filmografia, o realizador apresenta um conto inspirador, estrelado por personagens engajados em lutas convergentes com significativos ecos históricos. Um deles é Rosa (Ariane Ascaride), enfermeira na cidade de Marselha, na costa do Mediterrâneo. Além do trabalho incansável num hospital público onde faltam insumos, ela está prestes a se candidatar a um cargo municipal. Sua fala não parte de um lugar confortável e distante, pois reverbera problemas reais. Essa comunidade está mobilizada depois dos desabamentos que causaram mortes e desabrigo a dezenas de pessoas. A trama acontece no entorno da estatua do poeta Homero, talvez como forma de nos lembrar sobre a importância da História para compreendermos o presente e também a da poesia para elaborar as dificuldades. Rosa é descendente de armênios e seu senso de pertencimento foi transmitido como herança aos dois filhos Sarkis (Robinson Stévenin) e Minas (Grégoire Leprince-Ringuet). O primeiro administra o tradicional bar familiar chamado A Nova Armênia. Já o segundo é médico.
De cara, parece que Sarkis e a sua amada, Alice (Lola Naymark), serão os protagonistas do longa-metragem. Ele com os seus discursos inflamados e um idealismo contagiante; ela com a garra para liderar um coro de vozes conscientes – além da capacidade articuladora de movimentos solidários que surgem em resposta à tragédia recente. Como raros cineastas contemporâneos, Robert Guédiguian mostra o afeto e a política como dois elementos indissociáveis. E em E a Festa Continua! essa conexão é apaixonadamente reafirmada a cada perspectiva, a cada discussão amorosa marcada por manifestações acaloradas de consciência social. Diferentemente de outros realizadores dedicados à causa do cinema político, Guédiguian faz uma força danada para seus filmes não soarem como manifestos distanciados ou elucubrações pertencentes estritamente ao mundo das ideias. Ele tem plena sabedoria de que o exercício da política passa por questões corriqueiras. No fim do dia, pouco importam as pequenas diferenças que separam os grupos de esquerda, mas aquilo que afeta diretamente o dia a dia das pessoas, como bem discursa Rosa, figura que gradativamente ocupa o protagonismo do filme. Interpretada com a sensibilidade e a força cênica peculiares às personagens da grande Ariane Ascaride, ela é a matriz político-histórica de uma família orgulhosa das suas origens e atenta aos inúmeros problemas existentes.
Em E a Festa Continua!, outro antigo colaborador de Robert Guédiguian que se destaca é Jean-Pierre Darroussin. Ele interpreta Henri, pai de Alice, o forasteiro que acaba de vender a sua livraria aos antigos funcionários agora cooperativados, o sujeito em busca de recuperar o tempo perdido ao se reaproximar da filha distante. Robert Guédiguian escapa a duas armadilhas fáceis para esse tipo de figura, pois não utiliza Henri como o ignorante que precisa ser contextualizado a todo instante (vários roteiros lançam mão desse tipo de personagem para facilitar a transmissão de informações ao espectador) e evita a dinâmica excessivamente pesarosa dos homens que na terceira idade são, basicamente, poços de culpa sem nuances. Henri é o sujeito pouco afeito a discursos políticos inflamados, nisso distante dos membros da família de Rosa. Mas, ele age como socialista natural, seja pela atitude de transferir a livraria aos cooperativados ou nas várias vezes em que demonstra disponibilidade para auxiliar causas que inflamam as paixões alheias. Outro antigo colaborador do cineasta, Gérard Meylan, interpreta a ávis rara, o último da espécie, o comunista que divide apartamento com a jovem enfermeira idealista. O saldo é um grupo coeso de personagens que coexistem de acordo com suas causas e convicções, homens e mulheres dispostos a sacrifícios pessoais, mas igualmente atentos aos seus e às suas.
O fato de não concentrar a ação em apenas um personagem, evitando fazer de alguém o núcleo ao redor do qual todos os demais se desenvolvem, mostra a preocupação de Robert Guédiguian com a coerência entre forma e conteúdo. Pulverizar a ação, fazendo-a forte somente a partir da junção de diversos fragmentos, é um modo de descentralizar uma história que elogia justamente o esforço comunitário como meio efetivo (e ecumênico) de alcançar o bem-estar comum. Isso sem protagonistas obscurecendo coadjuvantes despersonalizados. E a Festa Continua! costura seu discurso político por meio das tramas afetuosas dessa gente aguerrida que batalha pela preservação da memória e por melhores condições de vida aos desvalidos. É uma gente disposta a sacrifícios para garantir conforto aos humilhados, mas que compreende intimamente a importância do afeto. Por isso o texto começou afirmando que Guédiguian é um romântico incorrigível, não daqueles criadores que utilizam as emoções como uma estratégia de alienação. Por muito tempo, cineastas acreditaram que o verdadeiro cinema político é aquele que não deixa as vozes embargadas pela comoção de, por exemplo, novos romances ou pelos dilemas entre dever e intimidade. Robert Guédiguian vai na contramão disso ao encarar os sentimentos como aliados da consciência política, vide quando alguém defende a preservação de lugares históricos porque aquecem o coração. Solidariedade, ternura e empatia são modos de amar (e de lutar).
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