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Crítica


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Sinopse

Com dificuldades para se adaptar à rotina de trabalhos forçados à qual é submetido como pena, Ulysses consegue fugir da cadeia na companhia de dois amigos. Eles vivem uma aventura incrível...algemados.  

Crítica

Adaptar A Odisséia, de Homero, pode parecer uma árdua tarefa para quem trabalha com a sétima arte. Porém, para os irmãos Joel Ethan Coen foi uma diversão. E aí, Meu Irmão, Cadê Você? tem em suas raízes o clássico poema, transformando as aventuras de Ulisses no retorno para sua amada em um caldeirão de referências que brinca, especialmente, com o sul americano e a Grande Depressão. Talvez a melhor adaptação da obra feita até hoje.

Na década de 1930, em meio à crise financeira, Everett Ulysses McGill (George Clooney) foge da prisão com mais dois amigos (John Turturro e Tim Blake Nelson) em busca de um suposto tesouro no Mississipi. Um idoso cego já profetiza: o trio vai passar por grandes aventuras até chegar ao seu destino. No caso de Ulysses (quer maior referência do que o nome do protagonista?), a jornada tem um significado ainda maior: reencontrar seu grande amor, Penélope, ou melhor, Penny (Holly Hunter). Se ainda havia dúvidas acerca da genialidade dos irmãos Coen, a transposição dos personagens originais da história para os tipos comuns dos EUA sulista é a grande sacada deste longa. Se o profeta é ninguém menos que Tirésias, o vendedor de bíblias que usa um tapa-olho (John Goodman) é o grande vilão, o Ciclope. Há três lavadeiras que tentam seduzir o trio de fujões, assim como as sereias do conto, um músico negro que vendeu sua alma ao Diabo (referência ao guitarrista Robert Johnson, que afirmou ter feito o mesmo) e até a Ku Klux Klan totalmente satirizada.

Se o roteiro e as caracterizações são um show à parte, o filme não teria tido o mesmo vigor sem o talentoso elenco envolvido. Clooney ainda patinava como ator na época e pegou sua grande chance com este papel, transformando seu Ulysses num hilário galanteador barato, recheado de boas intenções, mas com um ar de canalha impagável. Até o bigodinho imitando Clark Gable é um destaque. Não à toa, ganhou o Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia ou Musical. Mas ele não é único. Tanto seus atrapalhados parceiros (especialmente Blake Nelson) como Goodman ou Hunter estão incríveis, conferindo ainda mais graça a personagens que, por si só, já são emblemáticos. Acima de tudo, Joel Ethan Coen continuam seu retrato de diversas regiões norte-americanas com pequenas histórias que desnudam a complexidade destes nichos da sociedade. O contexto político e econômico situado na região não foi escolhido à toa, ainda que possa não parecer haver tanta profundidade neste estudo. Nada como a comédia para colocar o dedo na ferida de uma das regiões mais problemáticas dos EUA no que se refere a questões raciais e demagogas.

Alguns anos depois, outro filme tentaria, com menos sucesso, fazer mais uma versão de A Odisséia. Porém, Cold Mountain (2003) não consegue acertar o tom e parece mais uma cópia dramática e malfeita deste filme dirigido pelos Coen. Nem todo o raio acerta mais de uma vez no mesmo lugar. No caso de E aí, Meu Irmão, Cadê Você?, o disparo é certeiro e o espectador sai da sessão com, no mínimo, um sorriso de satisfação. A vontade é de que a dupla resolva adaptar A Ilíada do mesmo Homero. Que sabe um dia? Qualidade, com certeza, não há de faltar.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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