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Sinopse

Lily Bloom supera uma infância traumática e decide começar uma nova vida em Boston. Um encontro casual com um charmoso neurocirurgião dá início a um romance entre eles, mas à medida em que se apaixonam, ela começa a ver lados dele que a lembram do relacionamento de seus pais. Quando reencontra o primeiro amor da adolescência, suas crenças passam a ser reavaliadas.

Crítica

É fácil confundir boas intenções com uma realização equivocada que, pelo contrário, acaba promovendo justamente aquilo que afirma condenar. Este é o caso de É Assim que Acaba, romance baseado no livro escrito por Colleen Hoover que, assim como muitas de suas colegas – como E.L. James (Cinquenta Tons de Cinza), Stephenie Meyer (Crepúsculo) ou Anna Todd (After) – trata de idealizar uma relação tóxica por meio de intérpretes absolutamente lindos, cenários deslumbrantes e desdobramentos fora do convencional, mas que, no entanto, são encarados como se normais fossem. E assim, aquilo que deveria ser apontado como problema passa a ser visto como algo a ser conquistado, enquanto que os tropeços dados pelo caminho não são apenas diminuídos pela falta de uma postura mais enérgica, como também justificados por meio de explicações forçadas e lógicas distorcidas. É feio não apenas por ludibriar emoções, mas também por pintá-las por meio de uma ótica comprometida e enviesada.

Lily (Blake Lively, que segue na mesma toada de sua personagem mais famosa, a socialite Serena van der Woodsen, de Gossip Girl, 2007-2012) está finalmente livre daquele que há muito tem lhe assombrado. Após a morte do pai, um alívio lhe consome, por motivos que logo serão explicados: tratava-se de um homem violento, e por mais que nunca tenha lhe agredido, descontava suas frustrações da esposa, a mãe que aguentou um marido que lhe batia em nome da família. Quando questionada pela filha por qual motivo nunca se separou, a resposta é decepcionante: “porque era mais fácil permanecer com ele”. Como se o destino de toda mulher fosse o desrespeito e o medo. O que Lily não parece se dar conta, no entanto, é que está se encaminhando ao mesmo destino.

Todas as pautas do manual da ativista socialmente consciente estão reunidas em É Assim que Acaba. O problema é que tais reivindicações, sérias e urgentes, não se revelam dispostas de modo orgânico pelo roteiro. O que se vê é uma sendo empilhada em cima da próxima, como se levantar a bandeira fosse mais importante do que o debate e a reflexão diante de cada demanda. Quando uma personagem engravida, o amigo lhe diz: “é o seu corpo, só você tem o direito de decidir se quer ou não ter essa criança”. Quando toma coragem de se separar do namorado que lhe deixou marcas pelo corpo após uma tentativa de estupro, a irmã dele afirma: “claro que gostaria de ver vocês juntos, mas como tua melhor amiga, declaro que nunca mais falarei contigo se decidir voltar para ele”. Sororidade vem antes dos laços familiares, portanto.

Mas o pior é quando o roteiro escrito por Christy Hall (I Am Not Okay With This, 2020) decide defender o lado do agressor, colocando-o como vítima de um trauma de infância – e uma nova pauta surge, agora a do controle de armas, como se não fosse bastante o que já havia sido exposto até o momento. Lily é uma personagem fraca, que quando em perigo não é capaz de tomar uma decisão por si só – precisa recorrer a um ex-namorado, à única amiga (e também funcionária), ou mesmo à filha recém-nascida. Quando colocada na frente de alguém que de fato possa fazer a diferença e ajudá-la, decide não prestar queixa ou detalhar as violências sofridas. A “confusão” que sente é como se parte da culpa fosse também dela, e colocá-la nessa posição é a maior das violências.

Mais fantasioso do que um filme de super-heróis, É Assim que Acaba tenta brincar com seus absurdos – “quando foi a última vez que você viu um neurocirurgião com um corpo como o meu que não estivesse em uma telenovela” – ao mesmo tempo em que se leva à sério além da conta, acabando com qualquer pretensão de auto-ironia. Justin Baldoni, marcando presença na frente (como o galã Ryle) e atrás das câmeras (assinando a direção), revela equívocos em ambos esforços, incapaz de demonstrar versatilidade em uma performance cheia de galanteios, mas carente de nuances, ao mesmo tempo em que monopoliza um olhar que deveria ser feminino, e não contaminado pela visão daquele que não se cansa em exercer a própria voz. E assim um manifesto voltado às mulheres se confirma misógino e conservador, justamente aquilo que se anuncia num primeiro momento disposto a combater. Um movimento que permanece na superfície, mas que se vê descartado diante de qualquer leitura mais detalhada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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