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Sinopse

De luto, um motorista de aplicativo pega passageiros que, de certa forma, o ajudam a confrontar seu passado.

Crítica

Há poucas premissas mais naturalmente angustiantes do que pais em luto pela morte dos filhos. Então, como manda a boa cartilha dos dramas e dos melodramas, é recomendável dosar as emoções para contar uma história como essa, não simplesmente criar imagens que reafirmem a obviedade de um tormento que não precisa de elaboração cinematográfica para ser percebido. Se alguém disser a você “fulano perdeu o filho”, isso basta para ter uma ideia, mesmo vaga, do vazio que a tragédia representa na vida do pai ou da mãe sobrevivente. Então, o grande desafio de E Depois?, curta-metragem indicado ao Oscar 2024, era justamente lidar com uma história necessariamente dramática sem apenas reiterar o que a premissa comunicada de imediato. No entanto, os problemas desse filme que vem sendo premiado não se restringem à elaboração do luto, pois começam no modo esquemático como ele apresenta a tragédia arregaçando a vida de Dayo (David Oyelowo). O cineasta Misan Harriman se preocupa em mostrar o seu protagonista como um pai digno de pena, não apenas porque perdeu a família, mas porque a valorizava antes.

Dayo está andando na rua ao lado da filha pequena. Em meio a conversas sobre coisas banais, cede aos apelos da garota para dançar publicamente, pouco se importando se estava fazendo papel de ridículo ou algo que o valha. Some isso ao fato de que, imediatamente depois, ele coloca a atenção à menina acima das pressões do trabalho (Dayo diz ao telefone que é importante estar na apresentação dela). E está montado o cenário a fim de que o protagonista tenha credenciais para ser alvo de nossa piedade. Desse modo um tanto quanto moralista, pois associa a bondade do homem à dignidade de pena, o realizador implora pela adesão emocional do espectador. Então, Dayo não somente está padecendo, como merece que valorizemos o seu sofrimento por se tratar de um homem bom. Mais adiante, na corrida com a família semelhante à sua destruída, isso é claramente reafirmado. O personagem de David Oyelowo fica incomodado com a briga entre pai e mãe que constrange a filha de ambos – não à toa parecida com a menina assassinada. O motorista de aplicativo nem precisa dizer ao passageiro “valorize elas enquanto estão vivas”.

Antes de se focar no luto do homem encarregado de transportar passageiros diversos e quase anônimos, E Depois? opta por mostrar o momento em que um sujeito, aleatoriamente, esfaqueia uma criança e a joga de um viaduto – circunstância que leva a um suicídio desesperado. É muito desajeitada a forma como Misan Harriman encena esse episódio que precisa ser forte o suficiente para fazer jus à tragédia, com o indivíduo encapuzado (sem qualquer personalidade) que surge do nada para golpear uma menina como se já estivesse planejando isso. O noticiário nos informa que o bandido tinha feito várias vítimas randomicamente, mas é artificial o modo como o coadjuvante se precipita contra a criança e a esfaqueia. Do jeito como é apresentado, o ato criminoso faria mais sentido se a vítima fosse um alvo premeditado, não alguém que estava na hora e no momento errados durante o surto assassino do desconhecido. Dessa maneira, é difícil “comprar” que aquilo tenha realmente acontecido assim, que alguém desesperado iria tão avidamente a um alvo casual e teria a inciativa de atacar como é mostrado no curta-metragem.

Numa festa tão glamurosa e pomposa quanto a do Oscar, a atenção aos curtas-metragens é tratada quase como uma concessão industrial a um formato pouco comercial. Em meio a várias produções com elenco desconhecido, E Depois? tem um astro célebre como David Oyelowo vivendo esse protagonista com pouco tempo para nos emocionar com a sua história triste. Então, provavelmente o filme tenha saído na frente de alguns concorrentes simplesmente por contar com uma figurinha carimbada em grandes produções recentes. No entanto, especulações à parte, fato que esse curta-metragem é um emaranhado de ideias mal executadas, como a assimilação de Dayo das histórias desenroladas no banco de trás do carro com o qual trafega pelas cinzentas ruas da capital inglesa. Para que, realmente, serve a justaposição do rosto tristonho do motorista enlutado com a diversidade de narrativas brevíssimas apresentadas pelos passageiros completamente alheios ao martírio do condutor? Nem a curta duração justifica o esquematismo e a falta de jeito para construir a dor neste filme que somente reitera o infortúnio.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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