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Sinopse

O jovem Merab faz parte de uma companhia georgiana de dança folclórica, seguindo os passos do pai. Descontente com a vida de precariedade financeira e baixo reconhecimento artístico, ele tem sua vida transformada pela chegada de Irakli, dançarino novato que disputa com ele a mesma vaga num importante teste. Merab descobre, pela primeira vez, sua paixão por outro rapaz, dentro de um contexto homofóbico e violento.

Crítica

O início deste drama sueco-georgiano não é dos mais sutis: no instante em que o novato Irakli (Bachi Valishvili) entra na sala de dança onde se encontra o protagonista Merab (Levan Gelbakhiani), sabemos que os dois ficarão juntos. O olhar deste último não consegue desviar do bailarino, enquanto as fofocas dos vestiários, sobre um colega gay agredido e expulso da companhia, adiantam o conflito principal a ser enfrentado por ambos. Diante a evidência do amor e do preconceito, resta apenas esperar para que a aproximação se concretize em tela. E Então Nós Dançamos não busca surpreender pelos rumos inesperados, apenas fornecer o reconforto emocional típico de jornadas de superação e autodescoberta.

No entanto, o caminho certeiro rumo à viabilização do amor é muito bem trabalhado pelo diretor Levan Akin. A rotina de treinos dentro da companhia soa verossímil, com belas cenas de dança, enquanto o roteiro faz questão de frisar a vida externa: as brigas com a mãe, as dificuldades financeiras, o trabalho pouco recompensador como garçom num restaurante. A descoberta da primeira paixão por um garoto é construída através de um cenário de opressão constante entre comprovação da masculinidade e sobrevivência financeira. Merab se encontra numa fase de exaustão crônica, razão pela qual o elemento de novidade representado pelo colega – um rapaz de outra cidade, que bebe a noite inteira e consegue dançar bem no dia seguinte – se torna irresistível aos olhos do rapaz. Irakli significa que há vida fora das convenções, o que permite ao protagonista sonhar com saídas para si próprio.

Esteticamente, o cineasta explora a cartilha do “filme de personagem” comum aos grandes filmes sobre dança, a exemplo de Cisne Negro (2010), Suspíria - A Dança do Medo (2018) e Girl (2019). A câmera está sempre colada a Merab, acompanhando-o a cada pirueta ou salto, correndo com ele pelos corredores da escola e enveredando pelas ruas da cidade. A imagem se fixa no rosto ou na nuca em movimento, enquanto a profundidade de campo reduzida diminui o contraste com o mundo ao redor e ressalta a sensação de asfixia vivida pelo jovem dançarino. Todos estes filmes sobre dança trabalham a busca pela perfeição, numa gradação rumo a um desfecho invariavelmente explosivo: os personagens são testados até o limite de suas capacidades físicas e mentais. Em E Então Nós Dançamos, assim como em Girl, a busca pela adequação se confronta ao óbvio sentimento de marginalidade da condição LGBTQI+.

Mesmo assim, existe um sopro de esperança, representado não apenas pela possibilidade do amor verdadeiro, mas também pela estética solar, de luz quentes e cores saturadas. A fragilidade do namoro infantilizado com Mary e o desapego em relação à família problemática tornam-se vantagens ao protagonista: ele possui menos laços do que imaginava, tendo a possibilidade de rompê-los rumo a uma trajetória pessoal e profissional de sua escolha. Uma série de coincidências pouco verossímeis, como a chegada do interesse amoroso diretamente em sua casa, servem a mergulhar o aspecto realista com um elemento mais fabular, próximo de um golpe do destino. Torna-se mais fácil se identificar com o garoto, não por sua condição específica de dançarino gay de uma companhia georgiana de dança folclórica, e sim de vítima de um amor aparentemente impossível, e no entanto tão próximo de se concretizar.

Rumo ao final, o drama competente, porém formulaico, melhora bastante através de três cenas de notável ousadia cinematográfica e emocional: o complexo plano-sequência durante um casamento, a terna confissão ao lado do irmão e a soberba conclusão, espécie de enfrentamento simbólico às regras sociais. Akin eleva seu jogo na conclusão, deixando uma boa impressão capaz de superar a conveniência de algumas reviravoltas. A promessa trágica deste Romeu e Julieta gay, vindos de mundos diferentes e condenados a competirem entre si pela mesma vaga num teste, encontra uma alternativa para a conclusão, como se o filme, a exemplo de Merab, percebesse escapes para além das regras impostas. Essa forma de respiro encontrada pela narrativa, pela direção e pelos personagens torna a experiência recompensadora ao espectador.

Filme visto no 27º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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