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Crítica


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Sinopse

Narra a história de Edward II, rei da Inglaterra no século 14, que renegou sua própria esposa para viver um problemático relacionamento com seu amante plebeu. Durante o reinado de Edward II o rei da Inglaterra ameaça seu reino quando ignora sua esposa, e abertamente, assume um caso com Piers, Gaveston seu amante da plebe. Assim, a rainha Isabella, com a ajuda de Mortimer, tenta derrubar o rei Edward.

Crítica

Independentemente de sua fonte, Eduardo II é um filme-protesto. Esse é um título que ninguém pode tirar do realizador Derek Jarman, cineasta abertamente gay que morreu de AIDS alguns anos após o lançamento do longa-metragem. Baseado na peça de Christopher Marlowe, do século XVI, o texto se mantém atual, especialmente na época em que a adaptação audiovisual foi lançada. Início da década de 90, HIV ainda conhecido como “câncer gay” pela maioria, homossexuais sendo reprimidos em seus direitos. Talvez até não seja um cenário tão distante dos dias de hoje, mas, sim, naquela época a repressão era muito maior, já que temas LGBTQ eram novidade e pouquíssimos discutidos.

A história é clássica. Com a morte do pai, Eduardo II (Steve Waddington) deixa de lado a gélida rainha francesa Isabella (Tilda Swinton) e começa a viver ao lado do amado Gaveston (Andrew Tiernan). Obviamente, a monarca fica revoltada e se alia aos condes e barões, como Mortimer (Nigel Terry), para destituir o rei gay. Um discurso bem parecido com o de muitos nas redes sociais de hoje, cheios de palavras como "imoral" e termos do naipe de ser "contra a Igreja". Do outro lado, claro, está a camada mais radical de homens que não pretendem mais se esconder e ficam ao lado do regente.

Os cenários são como uma grande peça teatral filmada. Corpos nus, inclusive frontalmente, desfilam em meio a uma direção de arte luxuosa, mas que faz questão de ser realçada como um grande palco. Os ares brechtianos misturam os séculos, do XIV à era contemporânea, através de objetos e figurinos, para dar ainda mais ênfase à atualidade do discurso e da luta. O casal escandaloso não poderia ser retratado de forma mais sensível, mostrando nenhuma diferença com qualquer outro, a não ser, é claro, o fato de tratar-se de dois homens, o que atiça ainda mais a raiva e inveja da nobreza que pretende perpetuar seu reinado. É na voz de Annie Lennox que o clássico Every Time We Say Goodbye, de Cole Porter, ecoa para mostrar o amor dos apaixonados, mesmo que eles estejam fadados à destruição por dois motivos que vão muito além do próprio cenário estabelecido: traição e poder.

É nesse tom que a produção ganha ainda mais força. Estaria a paixão de Eduardo II e Gaveston destinada ao fracasso por culpa de seus próprios sentimentos confusos ou por conta da pressão da sociedade ao redor? O rei está cada vez mais preso à sua condição de monarca. Já o outro cai na sedução barata de Spencer (John Lynch). Independentemente de cada qual jogar nesse tabuleiro de xadrez à sua maneira, é impossível não pensar no quanto suas decisões são tomadas por medo, pela violência de ser parte de uma minoria não ouvida. Afinal, qual a melhor maneira de destruir um casal, senão fazendo suas juras de amor caírem por terra ao menor sinal de dúvida? É um jogo perverso muito bem arquitetado por Isabella e seus comparsas, que o diretor faz questão de aludir à realidade britânica dos anos 90, em que a liberdade sexual era tolhida em nome de uma suposta moralidade cometida, básica e redundantemente, por imorais.

Há diversas camadas de interpretação que vão além de uma “simples” (se é que assim pode ser chamada) cruzada contra gays. É o embate e paradoxal alinhamento entre Igreja e Estado, o muro entre militares e o povo, a democracia ilusória contra um sistema patriarcal e, por que não, ditatorial. É a própria metalinguagem da interpretação dentro e fora cinema, como se Jarman quisesse deixar bem claro que ali todos estão encenando sob seu comando, assim como interpretamos papéis diários na vida fora das telas. Eduardo II até pode ser tachado de um filme gay, mas é muito mais do que isso. É um longa sobre desigualdade e libertação, luta e preconceito. Aí é só trocar o homossexual por negro ou qualquer outra minoria oprimida por velhos valores que deveriam ter sido extinguidos há muito tempo. Sua forma pode atingir um público muito específico e deixar a maioria perplexa. Porém, como os bons vinhos, se mantém deliciosa mesmo após tanto tempo. Não para todos, mas quem sabe apreciar.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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