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Sinopse

Peg é uma humilde vendedora de cosméticos que descobre acidentalmente um jovem que mora sozinho num castelo no topo da montanha. Criado por um cientista que morreu, o rapaz tem grandes lâminas no lugar dos dedos da mão.

Crítica

São tantos os motivos que fazem de Edward Mãos de Tesoura um dos pontos altos da carreira de Tim Burton que é até um pouco complicado decidir exatamente por onde começar. Talvez o mais óbvio seja o fato de que foi neste filme que se deu o passo inicial daquela que seria a parceria mais efetiva de toda a carreira do cineasta: com Johnny Depp. O ator, na época um ídolo adolescente de extrema popularidade por causa da série televisiva Anjos da Lei (1987-1990), não era exatamente a escolha mais óbvia. Mas, no entanto, superando uma concorrência que incluiu outros jovens talentos como Tom Cruise e até Michael Jackson, o astro foi escolhido para viver um personagem que poderia ser descrito como resultado de um encontro entre Carlitos e Nosferatu, dono da ingenuidade de um e do aspecto assustador de outro. No entanto, o que possibilitou essa conexão entre os dois – que até hoje já se estendeu por outros sete filmes – foi o que havia no interior deles, essa busca pelas sombras e como levá-las à luz sem descaracterizá-las por completo. Exatamente a jornada que aqui somos convidados a presenciar.

Descartado pela Warner – para quem, um ano antes, Burton havia entregue o milionário Batman (1989) – por considerá-lo sem possibilidades comerciais, Edward Mãos de Tesoura acabou sendo abraçado pela Fox, que o lançou sem maiores reservas. A atitude, é claro, dificilmente deve tê-los causado qualquer tipo de arrependimento. Afinal, com um custo de US$ 20 milhões, o filme arrecadou mais do que quatro vezes este valor nas bilheterias de todo o mundo. Além disso, teve a maior parte de suas críticas positivas – é um dos trabalhos melhor avaliado em toda a carreira do diretor – e recebeu indicações ao Oscar (Melhor Maquiagem), ao Globo de Ouro (Ator em Comédia ou Musical, para Depp), Bafta (em quatro categorias e premiado como Direção de Arte) e na Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA (Dianne Wiest foi uma das três melhores atrizes coadjuvantes do ano). Um desempenho e tanto para um projeto que começou tão desacreditado.

Apresentado como uma versão moderna e estilizada do clássico Frankenstein (1931), Edward Mãos de Tesoura conta com a estranheza do mostro icônico, porém envolto em uma aura mais infantil e contemporânea. Por meio de sequências em flashback, somos colocados a par da origem deste monstro inocente. Criado pela genialidade de um cientista já idoso (papel que coube ao grande Vincent Price, intérprete marcado por suas participações em obras referenciais do terror, como Museu de Cera, 1953, e O Abominável Dr. Phibes, 1971, entre tantos outros), Edward está, na verdade, mais próximo de Pinóquio ou do Homem de Lata de O Mágico de Oz (1939). Incompleto, possui tesouras no lugar das mãos, e ao presenciar a morte de seu inventor segundos antes de ser finalizado, foi condenado a uma existência isolada, despreparado para a vida, física e espiritualmente.

Peg (Dianne Wiest) é uma dona de casa, igual a tantas outras, que ocupa suas tardes livres como revendedora de cosméticos de porta em porta. Um dia, preocupada com uma meta inalcançada, decide se aventurar além dos limites do bairro onde vive. Será assim que irá conhecer Edward, ao visitar o casarão afastado no qual ele se esconde. É curioso perceber que, ao mesmo tempo em que ela estranha sua singular condição, poucas perguntas são feitas e sua aceitação – ao menos por parte dela – é quase imediata. Decidida a não mais deixá-lo sozinho, leva-o consigo para casa, colocando-o em convívio direto com o marido (Alan Arkin) e com os filhos (Robert Oliveri e Winona Ryder, que entra na trama apenas num segundo momento). Com isso, a pacata vida dos subúrbios será alterada para sempre.

Se as vizinhas entram em alvoroço com a presença do estranho – quem seria? Um estrangeiro? Um parente distante? Um amante? – logo o mistério é resolvido sem maiores complicações. Tim Burton é hábil em lidar com a curiosidade levantada e em tratá-la da maneira mais natural possível, inserindo o elemento dissonante ao contexto pacato de modo quase sem turbulências, provocando um impacto que, no entanto, se revela apenas frívolo e sem maiores consequências. Ao se acrescentar as questões sexual e romântica, providenciadas pela ótima participação de Kathy Baker (como Joyce, a vizinha mais assanhada) e pelo espaço em cena de Winona ganha, como um amor idealizado e inalcançável, a história ganha uma nova dinâmica, acentuando a ingenuidade do personagem principal e seu caráter infantilizado. Um beijo, um contato mais íntimo ou mesmo uma demonstração maior de afeto poderia corrompê-lo ao ponto de perdê-lo, algo que, ao menos na visão burtoniana das coisas, precisava ser evitado.

É inteligente também a maneira como Burton faz da maldição que Edward sofre – suas mãos, que não possibilitam nem mesmo um jantar tranquilo, quanto menos uma noite de sono em um colchão d’água! – uma das suas maiores qualidades. São os percalços, as visíveis desvantagens que adquirem uma nova conotação a partir do momento em que são encaradas sob outro ponto de vista. Tesouras são boas em cortar, e quando acopladas a um ser de rara sensibilidade, os resultados serão únicos. É por isso que nosso protagonista acaba se tornando um gênio no design de cabelos, ao aparar os pelos de animais de estimação e até em desenhar arbustos e cuidados com jardinagem. A jornada, então, atinge seu clímax, em que o forasteiro se torna celebridade e é disputado por todos. Mas não por muito tempo.

Uma falha de comunicação, uma mentira bem contada, a inveja daqueles que por si só não se garantem, e o quadro está feito: Edward é condenado a voltar para onde veio. Não sem antes, é claro, deixar marcado pelo caminho uma impressão quase indelével e que por muitos anos encontrará ressonância em quem dele se aproximou. A crítica social está evidente, mas mais forte ainda é o embate familiar, as dificuldades em estabelecer um relacionamento sadio e a falta de confiança que surge quando expectativas se contrapõem. Ao invés de um felizes para sempre, Burton propõe uma ruptura mais radical, deixando em suspenso estes destinos que, se não mais se encontram, ao menos não serão jamais esquecidos.

Tim Burton faz de Edward Mãos de Tesoura seu conto de fadas pessoal, uma história que encontra ecos em seus curtas iniciais – principalmente no inovador Frankenweenie (1984), com quem compartilha a mesma origem e que somente décadas depois seria transformado em longa-metragem – e ainda aproveita um protagonista que ao mesmo tempo é seu alter ego e também um modo de expiar suas culpas e tristezas. Assumidamente pessoal, tem Johnny Depp pronto para abraçar a persona bizarra que o consagraria nos anos seguintes e como cenário um mundo de faz de conta rígido em seus julgamentos, atraente e irascível ao mesmo tempo. Onde aquele que não se encaixa estará em luta constante para mostrar seu valor, independente de que lado da tela ele esteja.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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