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Sinopse

Uma conselheira escolar se muda para Saint-Denis, um bairro pobre da periferia de Paris. Ela passa a cuidar de uma escola com alunos particularmente difíceis, e descobre a necessidade de disciplinar também os professores, enquanto encontra forças para aguentar a batalha diária de ajudar garotos e garotas sem qualquer perspectiva de futuro.

Crítica

Dentro do subgênero do drama escolar, no qual professores bem-intencionados são encarregados de controlar uma turma impossível, Efeito Pigmaleão (2019) consegue trazer algumas boas novidades. Primeiro, por afastar a imagem do professor-herói: não existem figuras idealistas nesta escola de Saint-Denis, do tipo que acredita que a educação vai salvar o mundo na base da insistência e da boa vontade. Aqui, os alunos precisam ser tão disciplinados quanto os professores, que desistiram há tempos de suas turmas e aplicam punições de caráter puramente vingativo. Segundo, ao criar uma equivalência entre a nova conselheira de disciplina, Samia (Zita Hanrot), e um dos alunos, Yanis (Liam Pierron). Ambos se sentem deslocados em seus meios, e visitam com frequência um ente amado na prisão local. A tentativa de horizontalizar a relação entre professores e alunos constitui um mérito notável do projeto dirigido por Mehdir Idir e Grand Corps Malade.

Os cineastas apostam numa estrutura coral e numa organização do caos que os franceses têm manejado com aparente facilidade em seus dramas sociais. Como em Os Miseráveis (2019), Hors Normes (2019), Garotas (2014) e Entre os Muros da Escola (2008), os protagonistas estão diluídos numa estrutura muito maior do que eles, possuindo pouca ingerência sobre o funcionamento ao redor. O roteiro constrói cerca de vinte personagens de modo bastante satisfatório, dialogando tanto com a experiência da criminalidade (o caso dos alunos traficantes) quanto a possibilidade de superação da mesma (o ótimo Issa, aluno esforçado e ainda assim bem inserido na turma). Visto que os diálogos possuem enorme importância no ritmo das cenas e do humor, era importante que o texto fosse verossímil. Neste sentido, os diretores conseguem extrair uma variedade de diálogos pertinente ao ambiente da periferia francesa, onde alunos e professores se provocam, alunos negros fazem piadas com os árabes e vice-versa, e a realidade dos pais e dos lares se reflete discretamente na vida dos filhos. Ao invés de voltar para casa com os garotos, a câmera permanece na escola, onde os comportamentos refletem a educação recebida no seio de famílias esforçadas, porém desestruturadas.

É interessante que os diretores busquem equilibrar a exemplaridade de seus dois protagonistas: Samia jamais se transforma em líder do grupo estudantil – seus poderes restam limitados em relação à diretoria e a outros professores mais experientes -, enquanto Yanis está longe de representar um caso grave, sendo um aluno de dificuldades comuns. Ele tampouco demonstra qualquer talento excepcional para a música, esportes ou para algum domínio profissional específico, afastando o fantasma da salvação pela meritocracia, tão comum a este tipo de narrativas. Para além do texto, a montagem também se esforça em aproximar ambos: enquanto a festa dos professores acontece numa casa de classe média, uma segunda festa, dos pré-adolescentes, ocorre numa casa mais modesta. As práticas de ambos são quase idênticas: adultos e jovens fumam, ambos bebem as mesmas bebidas, enrolam o mesmo baseado, e dançam de maneiras parecidas. Talvez a montagem sublinhe até demais o paralelismo das ações, porém consegue apagar a fronteira considerada essencial entre a juventude e a fase adulta. Chega a surpreender como ambos se parecem nesta história.

No que diz respeito às escolhas imagéticas, os diretores exploram ao fundo a câmera com estabilizadores de imagem, podendo acompanhar jovens em longos planos pelos corredores e salas de aula. A escolha favorece o dinamismo das cenas e a impressão de naturalismo, especialmente nas caminhadas de Yanis pelas ruas em frente ao liceu. No entanto, Idir e o rapper Grand Corps Malade acrescentam alguns efeitos curiosos, mais comuns em videoclipes do que neste registro de cinema social. Desde a primeira cena, uma curiosa câmera lenta acompanha a chegada de Samia na escola, e volta a aparecer em instantes pouco apropriados. Algumas reuniões musicais dos alunos são retratadas com um “efeito vinheta” que escurece as bordas da imagem, além de desfoques em parte da imagem, comuns a filtros de fotografias digitais. A conversa entre a professora e o namorado na prisão traz uma câmera solta como se buscasse seu foco, flutuando pela estabilização da imagem, enquanto a importante cena de um acidente de motocicleta aposta no zoom in no rosto do ator até ele encarar a câmera. Existe uma dezena de casos em que a imagem chama atenção excessiva a si mesma, além de não se comunicar com outros elementos estéticos empregados até então.

Apesar destes casos, Efeito Pigmaleão surpreende por deslocar o centro do questionamento: ao invés de perguntar “como salvar estes alunos-problema?”, como de costume nestas narrativas, ele prefere dar um passo atrás e perguntar: para que serve a educação formal na vida de pessoas de baixas perspectivas? Como despertar nos jovens a vontade de estudar, sabendo que poucos garotos do bairro conseguem empregos estáveis? Os garotos questionam aos professores, e uns aos outros, por que estariam aprendendo a História da França ou as equações matemáticas, se dificilmente aplicariam isso em algum trabalho prático. Os professores hesitam entre responder algo como “por conhecimento”, “porque algumas profissões precisam destas bases”, “porque é importante quebrar a cabeça”. De qualquer modo, não há consenso sobre a importância dos estudos para estes alunos que frequentam o ambiente escolar às vezes mecanicamente, para ver os amigos ou aproveitar a merenda fornecida pelo Estado. O roteiro evita qualquer saída fácil – vide a conclusão agridoce à situação de Yanis – enquanto reconhece a complexidade de um problema que ultrapassa em muito o âmbito daquela única escola francesa.

PS: Por que raios a Netflix Brasil teria optado por este título? O original, “A vida escolar”, resumia muito bem a proposta e o naturalismo do filme, enquanto o título internacional, “School life”, basicamente traduz o nome de origem. Os espanhóis foram os únicos além de nós a proporem uma mudança mais brusca, com “Os professores de Saint-Denis”, o que ainda soa pertinente. O “efeito Pigmaleão”, termo referente às expectativas agindo sobre o desempenho de tarefas, jamais é trabalhado na história, tampouco dialoga com o ponto de vista do filme, que foge do determinismo. Para quem não conhece o termo, soa apenas como um exotismo contraproducente diante da abordagem tão acessível do projeto.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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