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Crítica

Muitas pessoas conhecem ou ouviram falar sobre quem foi Eisenstein. Poucos, porém, sabem da viagem que o diretor soviético empreendeu até Guanajuato, em 1931, a fim de realizar o ambicioso Que Viva México!. Aos 33 anos e conhecido por A Greve (1925), O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro (1928), filmes que divulgaram os ideais revolucionários para além da União Soviética, a estadia em terras mexicanas, tomadas como “os 10 dias que chocaram Eisenstein”, significou a revolução pessoal – a verdadeira revolução – no mundo do diretor soviético. Os dias passados no calor dos trópicos são o centro da biografia que Peter Greenaway (O Livro de Cabeceira, 1996) empreende com Eisenstein in Guanajuato. Apesar de significar um recorte dentro da vida do protagonista, o roteiro de Greenaway tem a capacidade de utilizar as diferenças culturais para representar como um todo a personalidade idiossincrática de Sergei Eisenstein (Elmer Bäck), cujo comportamento se assemelha a de um bufão mentalmente descontrolado.

A chegada do diretor a Guanajuato é um termômetro do que se seguirá. Aparentemente gigante, quase desproporcional perto dos nativos, Eisenstein desembarca do carro vestindo o terno branco que o acompanhará durante boa parte do longa. O figurino monocromático traz consigo a concepção puritana, de um homem virgem aos 33 anos de idade, preso à censura moral e à estrutura de classes do comunismo. À repressão se somará o comportamento histriônico de quem fecha a porta do carro inúmeras vezes, fala consigo em voz alta durante o banho tentando controlar o incontrolável corpo, ordenando que não ceda às tentações durante as filmagens fora de sua terra natal.

Para ajudar na adaptação do protagonista, o governo local delega o estrangeiro aos cuidados do guia Palomino Cañedo (Luis Alberti), homem culto e casado, responsável por tornar a estadia de Eisenstein menos rude. Aos poucos, as diferenças entre o mundo russo e o calor latino se desfazem. A mais sintomática das cenas nesse sentido é o resultado de uma das primeiras noites do diretor em solo mexicano. Bêbado e atingido por alguma comida tradicional que nem mesmo o mais preparado estômago russo pode aguentar, Sergei é encontrado jogado na sarjeta, com o terno branco, marca aristocrática da sua origem, todo manchado pelo vômito. Quem o resgata é Cañedo, que apresentará ao russo a famosa siesta, sono durante a tarde que “divide o dia em dois”, bem como despertará nele a possibilidade para o amor homossexual. Depois de Cañedo, Eisenstein não sairá mais da cama.

Greenaway constrói com Eisenstein in Guanajuato um dos seus filmes mais coesos. O diretor (não o personagem) está a vontade em uma encenação que faz questão de destacar o absurdo do totalitarismo da União Soviética, a cegueira ideológica (“O estrangeiro não existe”, diz em certo momento o protagonista ao se referir à miopia geopolítica russa) e, ao mesmo tempo, tem no sexo e na morte o fio condutor, seja pela representação do México, seja pela trajetória do protagonista, que encontra na libertação sexual um renascimento. Não à toa, é a pintora Frida Kahlo uma das pessoas a receberem Eisenstein quando da chegada na cidade.

Por sorte, o filme supera o começo instável, em que as situações pareciam guiar o enredo para o lugar comum do deboche cultural e da homenagem estética sem profundidade (com o tempo, os efeitos de montagem em tela se assentam melhor no transcurso do longa). A direção de arte, como não poderia ser diferente, utiliza-se de uma paleta de cores extremamente fortes, fazendo o longa vibrar, nas cenas externas, com o contraste das tonalidades, e nas internas, com o barroquismo do hotel em que Sergei se hospeda.

Elmer Bäck, ator finlandês até então sem nenhum papel relevante, responde ao trabalho de mise-en-scène de Greenaway da forma mais impressionante possível. O domínio do espaço cênico, a liberdade no uso do corpo e o ar bufão, assumido do começo ao fim sem qualquer constrangimento, fazem o ator criar uma imagem impressionante de Eisenstein. Em determinado momento, Sergei revela a Cañedo, durante a cena do cemitério, o receio de que os diretores sejam esquecidos no futuro. O futuro é hoje, e Eisenstein pode descansar tranquilo. Ele não será esquecido.

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